Apesar dos estúdios indies terem ressuscitado e de nos terem sucessivamente trazido diversos excelentes exemplos de metroidvanias, é possível que se o sucesso comercial e crítico de Hollow Knight não tivesse sido tão avassalador quanto foi (e é), que o interesse das grandes empresas no género fosse virtualmente inexistente.

Este ano está a ser estranho em termos de direccionamento. A Ubisoft abriu o ano com o regresso da sua famosa série Prince of Persia, mas agora com uma roupagem metroidvania, naquele que é para mim (e acredito que para muitos) o melhor lançamento da gigante francesa em muitos anos. E apesar de aparentemente ter vendido mais de 300000 unidades, ficou aquem das expectativas da administração.

Com as muitas, muitas críticas que possamos fazer à EA, a realidade é que desde a criação do programa Originals que temos tido acesso a títulos verdadeiramente brilhantes, como os dois Unravel, A Way Out, Fe, Sea of Solitude, Lost in Random e It Takes Two. Um projecto de apoio a estúdios independentes que lançamento após lançamento tem provado ser uma aposta ganha. 

O último título, Tales of Kenzera: Zau, era um dos jogos que eu mais ansiava jogar em 2024, por duas razões distintas: a primeira, pelo género que é um dos meus favoritos, os metroidvania, e o segundo, por ser um autor negro a levar-nos para uma história e uma ambiente que exalta a cultura africana.

É sobejamente identificável a sobrexposição que as culturas e mitologias europeias têm nos diversos meios artísticos. Os videojogos têm vindo em contraciclo, especialmente autores indie, que têm utilizado as suas criações como tela para contar ao mundo as suas lendas, culturas e tradições locais. 

É este contacto com culturas e estéticas menos representadas que me têm agradado nas nossas buscas incessantes por indies um pouco por todo o mundo, do qual o Indie X é o nosso expoente máximo. Conhecer histórias, lendas, mitologias e tradições que nunca conheci mas que me são trazidas por videojogos, e dessa forma permitir que esses videojogos tragam novas abordagens, inovadoras e criativas.

O obejctivo de Tales of Kenzera: Zau é obviamente esse, a do autor deste jogo e actor britânico Abubakar Salim expiar o sofrimento com a morte do seu pai através de uma peça que simultaneamente se enraíze na cultura africana e que reflicta sobre as suas tradições na relação com a morte.

Zau, o xamã titular deste jogo, tem a missão de capturar 3 espíritos de monstros distintos como oferendas a Kalunga, o seu mestre e a personificação da Morte, que lhe promete ressuscitar o seu pai. 

Com inspirações na mitologia Bantu, esta interligação de divindades africanas com a história que está a ser contada em duas linhas simultâneas acaba por ser um dos grandes elementos narrativos de Tales of Kenzera: Zau. Mas apesar de controlarmos Zau ao longo de todo o jogo, a introdução é feita num ambiente afrofuturista com Zuberi, que está a lidar com a morte do seu pai. A história do xamã foi escrita pelo pai de Zuberi, e enquanto este lê o livro é ele, mas também o autor, Salim, e o protagonista da acção, Zau, que vão reflectindo sobre a vida e a morte, a inevitabilidade desta perante a beleza daquela. É nessa viagem de luto e aceitação do sofrimento que estes três, dois dentro do jogo e o autor, fora da quarta parede, nos confrontam com a morte, permitindo que as tradições Bantu sirvam de recolha filosófica para uma das questões mais pesadas da Humanidade.

Com uma construção visual em 2.5D, visualmente interessante, aflige-me que a estética dos níveis de Tales of Kenzera: Zau acabe por ir para cenários genéricos e por pouco incorporarem elementos mais interessantes da cultura africana. A riqueza visual e cromática que os diversos povos de África têm é uma fonte quase inesgotável de inspiração, mas em termos da componente visual dos níveis acabamos por cair nos clichés pouco identificativos.

Infelizmente, o level design é uma das grandes fragilidades de Tales of Kenzera: Zau. Qualquer fã de metroidvania reconhecerá o desafio da exploração como um dos grandes elementos que os apaixona pelo género. Aqueles obstáculos inacessíveis mas que mais tarde, com o poder certo, nos permitirão alcançar novas áreas.

Tales of Kenzera: Zau é desnecessariamente linear. O backtracking que o género nos costuma exigir para encontrarmos a progressão do jogo é aqui apenas uma vírgula opcional de elementos coleccionáveis. Cada um dos actos leva-nos num caminho linear até ao boss desse capítulo.

O pior desta linearidade é que o level design, mecanicamente, é fraquíssimo. Seja pelo par de obstáculos/armadilhas que são repetidas ad nauseam pelo jogo ou pela solução a um puzzle pouco criativo que iremos repetir em todos, todos os níveis. Ao longo da nossa jornada vamos sempre encontrar uma porta fechada que do lado de lá tem um interruptor. Já que o jogo nos desbloqueia automaticamente o mapa por inteiro, sabemos que temos um caminho circular até chegar a esse interruptor, e abrir a porta. Isto, repetido à exaustão, sem qualquer exploração da nossa parte.

Zau, como xamã, possui duas máscaras: a da Lua, que nos permite de base ataques à distância e a do Sol, com ataques corpo-a-corpo e podemos trocar entre ambos a nosso bel-prazer. Ao bom estilo metroidvania, iremos desbloquear alguns poderes associados a cada uma das máscaras, e tantos outros genéricos de Zau, para utilizar em qualquer forma. 

À medida que as sequências de combate avançam iremos encontrar inimigos com escudos coloridos que são vulneráveis apenas a uma máscara ou outra, o que dá um sabor distinto a momentos que se tornam bastante monótonos dado o reduzido número de inimigos.

Se a componente narrativa e a incorporação de lendas Bantu neste mundo são alguns dos pontos altos, diria que o terceiro e derradeiro ponto alto são mesmo as boss fights. Cada uma delas diverge grandemente das outras, com uma excelente diversidade e criatividade. Os monstros gigantes têm padrões que vão sendo progressivamente revelados à medida que a luta avança, e servem de quebra de monotonia para o curto número de inimigos com os quais nos vamos cruzar sem parar ao longo do jogo. 

Momodora e outros indies com orçamentos mais limitados fizeram melhores jogos e compreenderam o que faz de um jogo um bom metroidvania. Este novo EA Originals trouxe uma criação que é excessivamente superficial e inócua nos elementos de exploração e interligação que um bom metroidvania tem e na forma conservadora e pouco capaz de utilizar e preencher o jogo com uma maior influência da cultura e estética africanas. Tales of Kenzera: Zau é simplesmente mediano e uma oportunidade perdida, em diversas frentes.