Analistas dir-nos-ão e demonstrar-nos-ão que os hábitos de consumo de jogadores ocidentais e orientais são distintos. Que o mercado mobile dos f2p é rei e senhor das preferências do jogador médio da Ásia, e a forma como esse aspecto económico tem condicionado a criação de videojogos na região. Ao mesmo tempo que este fenómeno é identificável, conseguimos ver a fluidez das alterações a acontecerem e sucessos videolúdicos que pareciam encerrados nos territórios asiáticos a replicarem esses fenómenos no Ocidente.
Em muitos aspectos a Hoyoverse contribuiu precisamente para isto, e o seu extremo sucesso comercial só fez perceber que há muito mais que una jogadores independentemente da sua localização geográfica do que o que os separa. E usualmente um bom jogo é-o em qualquer parte do planeta.
Estas novas tendências são perfeitamente percepcionadas com as muitas publicidades que vou recebendo quando utilizo o YouTube no telemóvel. Vou sendo exposto a um crescente número de anúncios a promover jogos f2p mobile de origem asiática mas localizados em inglês para o mercado ocidental, e não raras vezes percebemos que a atenção à direcção de arte e a qualidade técnica e artística destes jogos são verdadeiras maravilhas. O problema para mim, enquanto consumidor, é sentir depois de instalar e jogar estes jogos que o estilo deles se sobrepõe completamente à substância, que as suas qualidades residem quase exclusivamente na sua apresentação.
Stellar Blade, apesar de ter muitos outros méritos, cai precisamente nesta categoria.
É indiscutível que Stellar Blade é visualmente magnífico. Desde os primeiros momentos no jogo é-nos impossível não ficar deliciados com o elevado patamar de qualidade técnico e artístico alcançado pelo estúdio coreano Shift Up. Sem qualquer surpresa, se conhecermos o background da empresa e de sabermos que um dos fundadores, Kim Hung Tae, é um aclamado artista responsável por alguns dos designs de Blade & Soul.
Falar da hiper sexualização da protagonista, Eve, parece-me redundante. É mais do que óbvio que a modelação da personagem, a forma como a roupa inicial (que em termos de texturas é simplesmente impressionante) lhe assenta no corpo ou como a Física de movimento dos seus seios existe como puro e simples fan service. Não é o primeiro exemplo que já tivemos nem será certamente o último. Percebe-se que existiu sobretudo uma tentativa excessivamente evidente de moldar uma protagonista que pudesse seguir as piadas de reconhecimento global como 2B e Bayoneta, mas a frieza e quase inexpressividade de Eve afastam-na da dimensão que os autores querem atingir.
Esta extrema beleza do jogo é especialmente evidente na modelação dos personagens e na forma orgânica e disforme dos inimigos, com a escala titânica dos bosses a evidenciarem essa qualidade na sua direcção de arte, que é para mim um dos dois pontos redentores de um jogo que sinto perfeitamente mediano.
O combate de Stellar Blade é igualmente delicioso. Num ponto médio entre o button-mashing frenético de um hack ‘n slash, e da dança táctica e cuidadosa de um soulslike. Sinto até que é a este que deve grande parte da leitura e inspiração, e não sendo um jogador habitual do género foi interessante sentir a minha ambientação à lógica do combate e aos controlos do jogo.
Com um leque de movimentos que vão sendo aumentados com investimento nas árvores de talentos correspondentes, os parries e os dodges são o prato do dia. E ao contrário de jogos que possuem as duas mecânicas e que quase nos condicionam a escolher um ou outro, Stellar Blade demonstra-nos constantemente que temos de dominar o controlo de todo esse arsenal defensivo, visto que os inimigos apresentam golpes que serão melhor respondidos com uma ou outra técnica.
A acção extremamente satisfatória de Stellar Blade é atraiçoada pelo level design atroz e repetitivo, que me deixava constantemente a desejar uma ainda maior linearidade ao jogo. Os níveis insípidos e desinspirados obrigam-nos quase sempre a encontrar cadáveres de humanos para recolher códigos para abrir portas ou baús, ou encontrar fusion cores para dar energia a interruptores para, por sua vez, abrir portas. Uma solução rotineira e perfeitamente fait divers numa distracção artificial do nosso caminho principal.
A adição de verticalidade “coladas com saliva” num jogo onde os movimentos mais lentos da personagem (que funcionam bem em combate) mas que exaltam a pouca afinação dos controlos de salto em sequências de platforming desnecessárias e mal-desenvolvidas.
A minha frustração com estas sequências – mesmo quando o mundo se abre mais do que as primeiras horas nos mostram – levaram-me por vezes a utilizar os campos de “descanso” de Eve apenas porque eles – ao bom estilo soulslike – provocavam o respawn de inimigos e eu poderia voltar aos momentos mais divertidos do jogo: o combate contra os alienígenas Naytiba.
A minha esperança inicial é que estas deambulações e momentos mais compassados de exploração acabassem por provocar-me um investimento no seu enredo e no seu worldbuilding, mas a sua superficialidade encontra-se também aqui: a abordagem sci-fi leve de Stellar Blade está cheia de lugares comuns que os diálogos entre Adam (através do seu quase avatar em drone) e Eve são um perfeito exemplo.
Referi que o combate de Stellar Blade – o seu ponto alto – está no ponto médio entre um soulslike e um jogo de Kamiya, mas diria até mais, o problema de todo o jogo é residir precisamente aí, num ponto médio, uma terra de ninguém em que não se evidencia nem num lado, nem noutro. Há um conservadorismo deste jogo que o leva a levar-se muito a sério para nunca cair no absurdo over the top de Bayonetta, nem querer entrar no desafio mais puro de um Dark Souls.
E é nessa mediania que o combate entusiasmante e a boa direcção de arte de Stellar Blade são derreados pela superficialidade que embrulha todo o jogo, um exemplo puro e simples de acção e espetacularidade visuais mascararem um produto vazio.