Ontem falei sobre a saturação do mercado (e a minha) em torno de deckbuilders, mas preciso de esclarecer algo: é na multiplicidade de videojogos que pouco adiantam uns em relação a outros que reside o meu queixume. Em jogos de tabuleiro, a área onde o género nasceu, eu digo precisamente o inverso: venham mais, e melhores, e a criatividade dos game designers de levarem os jogos de tabuleiro deckbuilders para novos destinos tem sido uma brilhante surpresa.

Azoove, recém-lançado em em Early Access no Steam quer fazer essa ponte. Fugindo da torrente de deckbuilders roguelike que têm chegado ao mercado, este jogo do estúdio Timeless Toucan é sobretudo um jogo de tabuleiro cooperativo digital.

A missão dos dois jogadores que se aventurem pelos desertos de Azoove é o de conseguirem que os seus personagens sobrevivam aos perigos destas areias mortais.

O jogo está dividido em dias, e em cada dia é espoletado um evento que pode ser um encontro que tem de ser resolvido ou um infortúnio que tem de ser ultrapassado, e qualquer que seja vai representar um desafio para ambos os jogadores.

Um elemento curioso do jogo é que na divisão em momentos de cada dia de jogo, existe uma segunda, após o evento ser disparado, que os próprios autores incentivam os jogadores a manterem silêncio entre si, visto que é nesta fase do “meio do dia” que ambos os personagens se separam, e deveríamos – em honra da imersão mecânica – inferir as nossas escolhas a partir do que sabemos que poderá ser a situação com o qual o nosso “parceiro” se está a defrontar.

Esta espécie de isolamento ou jogo de honra de silêncio é algo que os jogadores de tabuleiro conhecem bem, e que em muitos jogos é a essência de toda a jogabilidade, uma camada de dedução social que funciona bem em jogos físicos mas que depende do cumprimento dos jogadores para ter sucesso. Os resultados acontecem apenas no final de dia de jogo, quando os personagens se reencontram na sua jornada pelo deserto, e se ambos os jogadores mantiveram silêncio como pedido, é um elemento interessante a descoberta e revelação dos acontecimentos que cada um viveu em separado.

Azoove é um cooperativo obrigatório, o que significa que todos os elementos mecânicos foram feitos para serem jogados exclusivamente por dois jogadores. Neste decisão arriscada para um jogo indie com poucos recursos financeiros para se promover, choca-me que a equipa da Timeless Toucan não tenha adicionado a possibilidade de Remote Play, permitindo que com apenas uma cópia o jogo seja jogado de uma ponta a outra.

É fácil de identificar o pensamento comercial por trás desta decisão, mas não será que no final do dia, dado o nicho onde este jogo de tabuleiro digital se situa, não será contraproducente comercialmente que para que duas pessoas que se conhecem possam jogar a um jogo que exige cooperação, tenham também de comprar cada uma o jogo? Não será esta decisão um elemento que vai necessitar de um alinhamento ainda menos provável de duas pessoas que queiram ambas comprar o jogo, do que permitir que uma que o comprou possa partilhá-lo com alguém?

Regressando à descrição mecânica do jogo: em cada dia cada jogador recebe um conjunto de pontos de acção que devem ser usados ao longo desse mesmo dia, e têm de equilibrar os resultados de 4 recursos/variáveis distintos (lembrando a dança mecânica de Reigns) para suceder.

Tenho alguma curiosidade em perceber se dada a limitação narrativa (grande parte do texto é apenas um sabor adicionado aos acontecimentos) e os elementos notoriamente físicos de toda a ideia, se Azoove não teria maiores potencialidade em ser um jogo de tabuleiro que um dia terá a adaptação digital, do que um videojogo de tabuleiro que notoriamente um dia quer ser materializado num jogo físico…