Qualquer casa portuguesa tem algures na cozinha um galheteiros com azeite e vinagre. Seja no território nacional ou no estrangeiro, há qualquer coisa que nos ficou no código genético que nos impele a adquirir estes utensílios para a cozinha. Podemos ter várias certezas na vida, e uma delas é que de um modo geral todos os humanos nascem com 2 pulmões. Outra certeza é a de que os humanos portugueses para além de na sua maioria nascerem com 2 pulmões, possuem algures nos armários de cozinha os afamados frascos de azeite e vinagre. Uma percentagem grande possui ainda um moinho de pimenta, mesmo aqueles que não gostam da especiaria nem gostam de moer. É difícil combater a Natureza.
Não sei se ali pelo meio Riv Hester, o criador por trás do estúdio Ahr Ech terá tido contacto com cozinhas tipicamente portuguesas e o seu Pepper Grinder, recém-lançado através da mão da Devolver seja uma metáfora para isso, mas o mais provável é que seja apenas um trocadilho entre o nome da protagonista, Pepper, e a sua arma/broca, o Grinder.
Com óbvias inspirações num dos grandes jogos da minha infância, Dig Dug, e com um piscar de olhos à movimentação aquática de Echo the Dolphin transposto para a areia, Pepper Grinder é daqueles jogos em que o foco total do jogo é a execução mecânica e a diversão que este indie nos traz, numa abordagem old school extremamente salutar.
Desde os primeiros instantes que somos transportados para a um mundo vibrante e colorido com uma detalhada pixel art. Controlar e navegar a nossa protagonista, a pirata Pipper, com recurso à sua fiel broca Grinder, por vulcões incadescentes, florestas verdejantes ou cavernas repletas de perigo é sempre abrilhantado pela excelente direcção de arte.
Pepper Grinder é um platformer onde o meio de travessia preferencial é o recurso à nossa broca, e a forma como somos impulsionados quando perfuramos a superfície. Um gesto idêntico à forma como ganhávamos velocidade e impulso com Echo ao sair da água, o que nos permitia ultrapassar penhascos, ganha aqui outra forma, com a perfuração de camadas arenosas e rochosas.
Para além de ferramenta de travessia, a broca é também uma arma contra os inimigos. É com ela que os derrotamos, sendo que muitos necessitam de algum planeamento para explorar as suas vulnerabilidades, e somos obrigados a atacá-los por baixo, vindos da terra.
Com um foco quase exclusivo nas mecânicas que estão aprimoradas à exaustão, Pepper Grinder vai-nos trazendo a sua história através de pequenos elementos, permitindo que a narrativa vá sendo desenvolvido para aqueles que procuram essa camada adicional.
Apesar da simplicidade das mecânicas, e da forma criativa como utilizamos a broca como elemento de interacção distinto em diversos níveis, Pepper Grinder é bastante desafiante. Não só pela necessidade que temos em dominar os controlos de movimentação com a broca, mas sobretudo pela complexidade que o level design vai progressivamente assumindo.
Pepper Grinder é uma verdadeira surpresa para os amantes de jogos de plataformas. Um jogo original e desafiante, que olha para elementos do passado e sabe repensá-los para o presente.