No vasto universo dos videojogos, as decisões sobre quais títulos antigos merecem uma revitalização moderna parecem totalmente arbitrárias, sobretudo para aqueles que viveram as eras dos anos oitenta e noventa e desenvolveram uma afinidade particular com certos jogos. No entanto, a escolha de adaptar Another Code: Recollection para uma plataforma moderna, como a Nintendo Switch, levanta algumas questões sobre a arbitrariedade aparente dessa decisão. Há uma lógica (ou a falta dela) por trás desta escolha, mas também implicações mais amplas do uso da nostalgia no marketing de videojogos, e a importância de narrativas e mecânicas de jogo que cativam intelectualmente quem joga.

Another Code: Recollection é composto por dois títulos: Another Code: Two Memories e Another Code: R – A Journey into Lost Memories. A escolha de adaptar esses jogos para a Nintendo Switch pode parecer aleatória, especialmente quando há outros títulos da era DS e Wii que poderiam ter sido considerados mais populares ou influentes. A Nintendo, uma empresa conhecida por sua meticulosidade e estratégia, dificilmente faria uma escolha verdadeiramente arbitrária. Assim, fui tentar perceber os possíveis motivos e implicações dessa decisão.

Isto é um visual novel ou um point’n’click? A meu ver, tem mais de visual novel de tão pacato que é.

A nostalgia é uma ferramenta poderosa no marketing de videojogos. Títulos clássicos evocam memórias e emoções que podem influenciar fortemente as decisões de compra dos jogadores. No entanto, a eficácia dessa nostalgia depende em grande parte da qualidade e do impacto original dos jogos. Another Code: Recollection não se destaca como um dos títulos mais icónicos da sua época, o que levanta a questão de por que foi escolhido para uma adaptação moderna. Uma possível razão é o desejo de resgatar e dar uma segunda vida a jogos que, embora não fossem grandes sucessos comerciais, possuíam qualidades únicas e uma base de fãs dedicada.

Os dois títulos de Another Code: Recollection oferecem uma experiência narrativa e mecânicas que são distintamente suas. Produzidos pela Cing, uma produtora japonesa que também criou Hotel Dusk: Room 215 e a sua sequela, esses jogos procuram trazer aventuras gráficas para consolas da Nintendo. Este género, tradicionalmente forte no PC, encontra-se numa posição peculiar quando transposto para consolas, de uma forma geral. A Cing tentou capitalizar na interface única das consolas da Nintendo – o stylus da DS e o Wiimote da Wii – que poderiam teoricamente complementar bem o género de aventuras gráficas.

As personagens conseguem ser muito taciturnas em Another Code.

No entanto, a falta de sucesso comercial dos jogos da Cing nas consolas da Nintendo sugere um desajuste entre o género e as preferências dos jogadores dessas plataformas. Os motivos para isso podem ser variados: desde a percepção de que aventuras gráficas são mais adequadas para o PC, até possíveis falhas nas mecânicas e narrativas dos jogos da Cing. A interface única oferecida pela DS e pela Wii não foi suficiente para superar as barreiras de entrada do género nas consolas da casa de Quioto.

Uma crítica frequente a Another Code: Recollection é a sua falta de desafios intelectuais significativos. Em aventuras gráficas e jogos point’n’click, a resolução de puzzles é um elemento central que deveria estimular o raciocínio lógico e a criatividade dos jogadores. No entanto, os puzzles em Another Code são excessivamente simples, ao ponto de subestimar a inteligência do jogador. A experiência de explorar uma mansão cheia de portas trancadas e chaves espalhadas perde o seu apelo quando as soluções são óbvias ou podem ser alcançadas facilmente através de tentativa e erro.

Ashley triste, um sentimento que predomina o jogo.

A simplicidade dos puzzles em Another Code pode ser vista como uma falha em criar uma experiência de jogo envolvente. Em vez de desafiar os jogadores e oferecer uma sensação de realização ao resolver enigmas complexos, o jogo pode tornar-se uma série de tarefas monótonas. Isto contrasta fortemente com outros títulos de aventuras gráficas que se tornaram grandes clássicos justamente pelos seus puzzles desafiantes e narrativas apelativas .

Apesar das críticas às suas mecânicas, Another Code: Recollection consegue capturar a atenção dos jogadores através de sua narrativa. A história de Ashley, uma adolescente em busca do pai desaparecido, é o fio condutor que mantém os jogadores investidos na trama. A exploração de temas como a perda, a curiosidade e o sobrenatural, personificados pelo fantasma de um menino que Ashley encontra, adiciona camadas de profundidade à narrativa.

Não é, definitivamente, a personagem que emana mais felicidades dos videojogos.

A narrativa é um elemento crucial para a experiência de Another Code. A jornada de Ashley, movida pela curiosidade e pelo desejo de entender seu passado, oferece uma conexão emocional que pode compensar a falta de desafios mecânicos. Para jogadores que apreciam histórias envolventes e personagens bem desenvolvidos, Another Code pode ser uma experiência gratificante. No entanto, para aqueles que buscam estímulos mais mecânicos e interativos, o jogo é uma desilusão.

A adaptação de jogos antigos para novas plataformas é uma prática que envolve considerações filosóficas sobre a preservação da arte e a evolução da experiência de jogo. Escolher quais jogos merecem ser revitalizados envolve um balanço entre impacto histórico, qualidade intrínseca e potencial comercial. A escolha dos dois jogos que se encontram em Another Code: Recollection pode ser vista como uma tentativa de recontextualizar um jogo que, embora não tenha sido um grande sucesso, possui um valor artístico e narrativo único.

Aqui Ashley mais determinada em prosseguir os seus objetivos que envolvem o seu progenitor.

A filosofia por trás da escolha de adaptar jogos antigos também reflete uma compreensão da evolução tecnológica e cultural dos videojogos. A Nintendo Switch, com sua combinação entre portátil e consola doméstica, oferece um meio ideal para revisitar títulos que possam ter sido subvalorizados em suas plataformas originais. Ao adaptar Another Code para a Switch, a Nintendo não apenas preserva uma parte de sua história, mas também introduz esses jogos a uma nova geração de jogadores que podem apreciá-los sob uma nova luz.

Another Code: Recollection representa uma escolha interessante e, à primeira vista, aparentemente arbitrária para adaptação moderna. No entanto, ao analisar mais profundamente, percebemos que essa escolha reflete uma tentativa de equilibrar a nostalgia com a reintrodução de títulos únicos que podem ter sido subvalorizados na época em que foram lançados. Embora o jogo apresente falhas nas suas mecânicas para entregar desafio, este destaca-se pela sua narrativa envolvente, onde oferece uma experiência emocionalmente rica que pode atrair uma audiência específica.

Exemplo de um puzzle muito difícil, que vai deixar cada um dos vossos neurónios a suar descontroladamente.

A decisão de adaptar Another Code: Recollection também nos convida a refletir sobre o papel da nostalgia no marketing de videojogos e a importância de preservar e revitalizar obras que contribuem para a diversidade e riqueza do meio. Em última análise, a adaptação desses jogos para a Nintendo Switch proporciona uma oportunidade de redescoberta e apreciação, tanto para antigos fãs quanto para novos jogadores. Se a nostalgia pode ser uma poderosa ferramenta de marketing, também serve como um lembrete do valor intemporal da arte dos videojogos e da importância de manter viva a memória de experiências mais antigas, mesmo que transitem alguns arcaísmos que deviam ter ficado na experiência original.