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Há anos que milito os videojogos enquanto a derradeira ferramenta de democratização financeira. Uma expressão artística onde a geografia pouco ou nada importa, e que demonstra o que deveria acontecer para as outras expressões da vida cultural humana. Não há maior prova disso do que Saviorless, o primeiro jogo indie proveniente de Cuba, um País que há décadas sofre com embargos económicos pesadíssimos da maior superpotência do mundo, os EUA, e que mesmo assim chega aos mercados globais através da francesa Dear Villagers. 

Desenhado e animado à mão, cada frame de Saviorless é um testemunho da paixão e dedicação dos seus criadores. No entanto, por vezes quando a direcção de arte e a qualidade estética é de longe o ponto alto do jogo, as mecânicas podem ser qualitativamente inferiores. E isto é algo que os fãs de platformers mais exigentes irão sentir com Saviorless.

A história deste jogo é contada através das perspectivas de três narradores: um idoso e os seus dois jovens aprendizes, numa lenda que vai ser tecida numa rica tapeçaria de contextos e emoções. Esta estrutura narrativa complexa e multifacetada dá ao jogo uma profundidade interessante, especialmente no género dos platformers, onde na grande maioria das vezes o enredo é mero subtexto. Em cada nível somos envolvidos não apenas pelos desafios, mas também pela história que se desenrola com a nossa progressão, fazendo-nos sentir parte de um conto em evolução.

A direção de arte é, sem dúvida, o ponto alto do jogo. Cada cenário é meticulosamente desenhado à mão, proporcionando uma experiência visual que torna a sua identidade imediatamente reconhecível. As animações são fluídas e cativantes: cada movimento do protagonista e dos inimigos foi desenvolvido com atenção ao detalhe, algo que sé é tecnicamente ultrapassado pela extrema qualidade dos cenários.

Mas se a arte é verdadeiramente deslumbrante, é nas mecânicas que Saviorless falha em impressionar. Antar, o protagonista, é frustrantemente lento e desajeitado na forma como o controlamos, algo que só piora com a nossa incapacidade de ataque direto contra os inimigos no início do jogo, adicionando um nível de dificuldade que é mais frustração que desafio. A necessidade de atrair inimigos para armadilhas e resolver puzzles ambientais pode ser vista como uma tentativa de adicionar profundidade estratégica, mas resulta apenas numa experiência frustrante dada a lentidão com que tudo se desenrola.

Mais ou menos a meio do jogo, Saviorless aproxima-se finalmente do aspecto metroidvania-lite promovido pelos autores e promotores, melhorando significativamente a partir do momento em que Antar recebe a máscara do Savior. Esta máscara dota gradualmente o protagonista de novas habilidades como lutar, saltar a grandes distâncias e executar dashes, transformando o jogo numa espécie de metroidvania-lite. Esta evolução mecânica é bem-vinda, mas pode tardar em chegar, e a transição é lenta e pode não ser suficiente para manter o interesse da maioria dos jogadores que procurem acção imediata e fluída desde os momentos iniciais do jogo.

Cada nível apresenta seis páginas para colecionar, o que adiciona um elemento de exploração típico dos jogos de plataformas. No entanto, se falharmos em colectar todas as páginas, os narradores oferecem-nos a oportunidade de recomeçar o nível, apagando as páginas já apanhadas. Uma decisão mecânica de não nos permitir tentativas cumulativas que até hoje estou para conseguir compreender. 

Saviorless é uma obra de arte visual que merece ser celebrada pela sua direcção de arte, no entanto, em termos de game design e sobretudo de controlos é um jogo com muitas falhas, um pecado capital para qualquer platformer. Esta é uma situação que relembra o recém-lançado ZAU não só pela sua temática e pela utilização das máscaras enquanto fonte de poder: é mais um indie artisticamente brilhante, mas mecanicamente deficiente.