Contra as expectativas dos administradores da Xbox, os cRPGs não são apenas uma vaga remetida ao passado longínquo dos anos 1990, quando Baldur’s Gate e Neverwinter Nights eram reis e senhores do género. Mas no centro deste ressurgimento galopante e inesperado para muitos está a Larian, o talentoso estúdio belga que tem vindo a fazer uma jornada brilhante a conquistar e a reconquistar milhões de jogadores para o género ao longo da sua carreira.
Ver estúdios indie a debruçarem-se sobre os RPGs clássicos não é novidade, mas o que difere é a forma já pouco tímida como o fazem, reforçados pelo sucesso crítico e comercial de Baldur’s Gate 3.
Dark Envoy, o mais recente cRPG indie do estúdio Event Horizon (que é também o meu filme favorito do Paul W. S. Anderson antes de ele “se perder”), chega ao mercado com grandes expectativas após o sucesso moderado de seu primeiro jogo, Tower of Time. Um jogo indie anunciado há 5 anos, em 2019, e que nos chega agora com uma experiência que mistura fantasia e tecnologia num cenário de guerra entre o The Empire e The League. A originalidade dos nomes das facções ficou algures de fora do desenvolvimento deste título, ou talvez se tenha perdido no meio da pandemia.
Encarnamos os irmãos Malakai e Kaela, e temos de navegar por este mundo tumultuoso com uma personalização robusta dos dois personagens, permitindo-nos escolher entre quatro classes distintas para Malakai e Kaela. Esta profundidade é ampliada pela definição de subclasses ou especializações, determinada pelo equipamento escolhido, garantindo-nos uma grande flexibilidade estratégica: um elemento obrigatório para um bom cRPG.
Dark Envoy herda algumas ideias de jogos que utilizam elementos de Real-Time-with-Pause mas com uma reviravolta: ao invés de pausarmos o jogo, apenas desaceleramos o tempo. Esta mecânica incentiva-nos a ter uma abordagem mais dinâmica e táctica em quase tempo real, e onde nos é exigido que estejamos sempre a ser o mais ágeis nas nossas decisões possível, posicionando os personagens com precisão. Essa disposição e movimentação dos personagens utiliza os elementos destrutíveis do cenário, existência de ataques AoE, e até de um sistema de cover que tem de ser decidido enquanto o tempo está desacelerado (podemos mudar para o tempo normal e vice-versa apenas com a pressão da barra de espaço).
A visibilidade do campo de visão tanto da nossa party está bem demarcada em tempo real a amarelo no minimapa, permitindo-nos perceber os caminhos e áreas ocultas assim como as áreas de visão inimigas são demarcadas a vermelho: toques estratégicos que aumentam a complexidade dos confrontos e a nossa agência nos combates.
Dark Envoy foi uma surpresa no campo da direcção artística: a combinação de elementos de gun ‘n sorcery detalhado onde a magia e a tecnologia coexistem de maneira interessante. Os ambientes são detalhados e variados, e a criatividade dos personagens e inimigos (sejam eles humanoides orgânicos ou autómatos) é criativo e bem executado, num cuidado estético que contribui significativamente para a nossa imersão no universo do jogo.
Infelizmente, um dos pontos fracos deste Dark Envoy reside no seu enredo. Num género onde a narrativa é frequentemente o coração da experiência e um elemento primordial para a nossa satisfação com um cRPG, a insipiência narrativa é notável e vai desanimar todos aqueles que procuraram uma história envolvente e memorável. Embora (e de forma surpreendente) o jogo ofereça voice acting completo e diversas escolhas morais ao longo da campanha, a história em si não nos consegue prender de forma a não querermos largar este mundo, e a premissa da guerra entre The Empire e The League, assim como o conflito pessoal fraterno dos protagonistas são muito pouco profundos.
Dark Envoy é mecânica e visualmente um bom cRPG, e que agradará especialmente àqueles que apreciam combate estratégico e personalização detalhada de personagens. No entanto, a narrativa pouco inspiradora impede que o jogo alcance seu pleno potencial, o que desiludirá aqueles que valorizam sobretudo um bom enredo.