Para os mais novos ou que nunca viram Casablanca, “Play it, Sam” é de um dos momentos críticos da narrativa do filme… vale a pena ver, por todas as razões possíveis.

Videojogos e música, um equilíbrio que faz um e outro atingirem outra dimensão, podendo ser um transporte nostálgico ou progressivo única, criando uma centelha de emoções a quem se deixa levar pelas suas composições. Mas usando as palavras de um dos filmes mais vistos de sempre “Play it, Sam“…

O quanto pode marcar um videojogo através de uma composição ou trilha musical? Seja em 2-bits, 8-bits, ou o que temos na actualidade, a parte musical de qualquer videojogo pode deixar marcas com um poder nostálgico, puxando-nos para um dado momento ou, o reverso, trazê-la para um momento do presente, associando-as com certas situações e acontecimentos. Isto tudo para dizer que a parte musical de qualquer jogo é uma experiência brutal, e gostava de partilhar um pouco de como em mim despoleta uma cascata de emoções que fazem de mim quem eu sou hoje.

É indescritível o a ouvir a “Big Blue” do F-Zero (agora com um extra ’99’ no título) despoletou na minha massa cinzenta, e na caixinha de memórias que está alojado nesse compartimento do meu corpo. “Big Blue” é uma composição perfeita de 1990, que consegue oferecer uma panóplia de camadas que só me fazem querer ouvir em loop. É possível ouvir na música a velocidade que os carrinhos voadores ou naves – como quiserem chamar – devem impor na pista, adornando as várias curvas e rectas em sintonia com os diferentes ritmos que vão se fazendo ouvir. Ao mesmo tempo é uma música com sabor a Verão e a mar, pulsado por uma alegria rítmica que é inesgotável até ao cruzar da meta de chegada. Ouçam, fechem os olhos e digam-me se não se imaginam dentro de um F-Zero a navegar numa pista junto ao mar, com o coração a bater freneticamente mas em ritmo com o alongamento da brilhante composição musical de Naoto Ishida.

Aliás, a Nintendo tem sido incansável ao tentar oferecer algo que diference os seus videojogos, sendo um desses detalhes as composições musicais e apresento agora outra que me acompanha, em especial, numa época do ano.

Quando caminho em direcção à praia/paredão no Verão, especialmente quando o sol está a bater por volta das 17h30, rapidamente sinto a trilha de “Gerudo Valley” de The Legend of Zelda: Ocarina of Time a ganhar vida em mim, cantarolando esse hino de um dos jogos mais emblemáticos de todos-os-tempos. “Gerudo Valley” é um combo belíssimo de um poder emotivo estonteante, com as palmas iniciais – muito ao estilo de uma sevilhana – a serem seguidas de uma guitarra de flamenco quente, que transmite acordes quentes, apaixonantes e misteriosos.

Não sei qual foram as inspirações de Koji Kondo na sua composição (possivelmente, o Concierto de Aranjuez pode ter ajudado, e convido-vos a descobrirem essa obra magna de Joaquín Rodrigo), mas a genialidade e paixão imposta naqueles 92 segundos é algo que me marcou aquele primeiro Zelda da Nintendo64, e que transcende… bem, simplesmente transcende. Alinhado com o facto dos Gerudo serem uma civilização matriarcal, que se recusa a ceder perante a violência do deserto ou do isolamento forçado – o que diriam as vozinhas de extrema-direita hoje em dia se Ocarina of Time saísse hoje…) -, toda a música ganha outra força e só a torna ainda mais lendária dentro do universo dos videojogos.

Mas para não ser tudo uma manifesto “Os jogos da Nintendo não podem só ser medidos pela jogabilidade e argumento”, deixo uma música que irrefutavelmente consegue me fazer entrar em modo nostalgia ao cubo com laivos de melancolia e uma colher de chá de “depressão”: “Dearly Beloved” de Kingdom HeartsMal joguei este jogo da Square/Square Enix, mas este movimento musical transporta em si todo o peso carregado pelos protagonistas de Kingdom Hearts. Para mim, força-me a mergulhar em certos episódios que não são somente tristes, mas sim de uma saudade irreparável. De certa forma, é terapêutico reviver certas coisas que ficaram connosco, e que tentam se esconder da palavra relembrar. O processo criativo de Yoko Shimomura foi relatado pela própria numa entrevista à Square Enix, dizendo que,

“Eu estava a jogar o início do jogo, com o ponto de partida a ser nas Destiny Islands e as imagens do mar marcaram-me logo. A Dearly Beloved simplesmente ‘apareceu’ na minha cabeça quando voltei a pensar naquele momento – imaginando-a a partir do mar e as ondas.”

A verdade é que o jogo me foi emprestado em 2004, tive largas dificuldades para ultrapassar o ecrã inicial. O tlintar do piano, os leves acordes de outros instrumentos por detrás, até ao surgir daquele violino nostálgico, prenderam-me… e ali fiquei, e ainda fico. Muitas vezes temos dificuldade em tentar conquistar público não afecto aos jogos, mas é engraçado que graças à “Dearly Beloved” agarrei os meus pais e alguns amigos, isto quando falávamos de música. Lembro-me bem de dizer “Querem uma que consegue ser triste e melancólica, mas que ainda assim dá direito a uma pessoa a ter esperança?”, ir ao YouTube e premir as letras do teclado. Clico no play, e ver a cara dessas pessoas a aceitarem a beleza deste hino de Yoko Shimomura era o suficiente para mim. Ver a minha mãe a pedir “Podes me enviar aquela música muito triste mas bonita que mostraste no outro dia?” demonstra a força que a música em videojogos pode ter.

Última entrada neste artigo, é a “No More What Ifs” de Persona 5 Royal do compositor Shoji Meguro, um jogo que me deixou um vazio enorme depois de tê-lo terminado. Nunca tinha jogado um Persona e mal o completei, fiquei a sentir como se uma parte de mim tivesse desaparecido. É me difícil explicar o porquê, mas talvez apeguei-me às personagens com força e após o capítulo final, não há mais nada para descobrir em termos de narrativa. “No More What Ifs” é um smooth jazz que num primeiro momento é só lhe dado a importância de ser uma música de fundo numa certa secção do jogo. Contudo, quando se termina a viagem em Persona 5 Royal e perdemos um minuto a ler a letra, percebemos rapidamente que ali estava uma confissão. O “mundo” voltou a desabar-me em cima, e mais complicado foi aceitar que não havia continuação após o final. Mas isso é também parte do brilhantismo musical de um jogo, o de nos revelar partes da história, de perceber que existe um véu a esconder algo no seu regaço, com jogos como o The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom, a fazerem-no de uma forma brilhante e genial. E sim, tinha me apercebido que todas estas músicas são de compositores japoneses, mas isso será dedicado a outro artigo e conversa, uma vez que estes conseguiram fazer arte similar ao que Mozart, Chopin e outros fizeram em séculos anteriores.

Muitas vezes esquecemo-nos deste veículo transgeracional que pode partir barreiras e criar ligações mesmo entre pessoas que nunca pegaram num comando de qualquer consola. Música é uma linguagem mais universal que qualquer outra língua, podendo capturar a atenção de milhões de pessoas e desenvolver diferentes emoções, unindo pensamentos. Felizmente vivemos num momento em que os concertos com músicas de videojogos começa a ser uma normalidade e uma forma de expandir o seu público, ofertando aos criadores dessas várias composições outro eco e propagação das suas obras.

Para mim, as gerações que cresceram a lado-e-lado com este mundo dos videojogos, independentemente se foi com a Nintendo, Sony, Microsoft, com recurso às várias Nintendos, Playstations, Xboxs, PCs, etc, foi, felizmente, tingida pelas várias exposições musicais que foram surgindo ao longo do caminho.

Se se sentirem à vontade, gostava que partilhassem a vossa música favorita de um videojogo na caixa de comentários, seja no site, Twitter ou outra rede social para podermos nos juntar e apreciar os gostos de cada um.