Se eu tivesse idade para usar pronomes, estes seriam Ele, Eles. Mas para qualquer macho tóxico, eu seria Ela, Elas. Esses seres “fortes”, “confiantes”, “conhecedores”, que na realidade são “emocionalmente fracos”, “inseguros perante o desconhecido” e “ignorantes por medo”, não hesitariam um minuto. Como homem, acho que nestas últimas quatro décadas consegui chegar a pelo menos meio caminho do que representa ser um bom ser humano, independentemente do género, com razões de sobra para estar confiante tanto a nível pessoal como profissional. Mas se esses “homens” me vissem perante o motor de um carro, uma torneira a pingar, uma fita de estore partida ou um interruptor duplo na parede que deixou de funcionar, mudavam-me os pronomes na hora (se bem que, com a insegurança que têm, não acreditam em pronomes e atiram-lhes o rótulo de esquerda radical para ser mais fácil de arrumar no armário pequeno que têm no cérebro).
Nunca tive jeito para reparações. E não é só não ter jeito. Chega a ser medo. Eu lido com tudo na vida, com os momentos mais inimagináveis que ela me atira para o colo. Mas, se puxo o autoclismo e percebo que começa a verter água de algum dos canos para o chão, corro para o telefone e ligo para o Vítor Antunes mais próximo.
Percebi isto muito cedo na vida. Animado pela curiosidade por tudo, algo que sempre me motivou, logo na pré-adolescência comecei a experimentar desmontar dispositivos eletrónicos que tinham deixado de funcionar na esperança de aprender algo. A única coisa que aprendi foi que tinha de deitar tudo fora porque nem sequer conseguia voltar a meter tudo no mesmo sítio.
Foi aqui que Electrician Simulator me deu mais gozo. Se eu quisesse fazer parte da turma dos machos alfa (não quero, descansem), já podia atirar o belo bitaite para o ar: “Fiz uma puxada de uma tomada para a outra, mas fiz à homem! Estás a ouvir? À homem!” (embora, provavelmente, eles escrevessem “há homem”).
O que é certo é que foi mesmo isso e muito mais que fiz. Eu adoro simuladores. Não só porque permitem uma jogabilidade relaxante adequada à minha faixa etária de pessoa pré-centro de dia. Não só porque cada vez mais simulam com maior realismo e mecânicas mais afinadas o dia a dia de quase tudo. Tenho mais horas no Power Wash Simulator do que no Diablo 4, mais horas no House Flipper do que no Starfield, e muito mais horas no Euro Truck Simulator do que no Vampire Survivors. E acreditem que eu tenho muitas horas no Vampire Survivors. Mas mais do que tudo isto, os simuladores fazem-me acreditar que consigo fazer coisas na vida que na realidade nunca irei conseguir.
Electrician Simulator é o que o próprio nome indica. É um “Zé Manél” simulator de tudo o que for elétrico e eletrónico. Aceitamos os trabalhos que nos surgem na oficina e lá vamos para casa das pessoas mudar lâmpadas, arranjar a cablagem de tomadas, fazer puxadas elétricas ao longo da casa, instalar quadros elétricos, mudar fusíveis, etc. Se é trabalho de eletricidade em casa de alguém, então está no jogo. As mecânicas estão bem desenhadas de forma a que não tenhamos de ser especialistas. Os certificados que vamos tirando funcionam como tutoriais e guias, e tudo está feito para que cada arranjo seja um processo passo a passo intuitivo. Por exemplo, instalar uma tomada na parede envolve instalar a caixa na parede, trazer cablagem até ela desde o quadro, depois instalar a tomada em si e fazer a ligação correta de todos os cabos por cores, fase, etc. São-nos dados ou sugeridos todos os materiais a comprar antes de partirmos para qualquer trabalho. Existem alguns problemas menores de comportamento da câmara, mas nada que estrague a experiência. Nada de chocante (esta foi fraquinha).
No entanto, nestas que são as tarefas principais, reside um dos problemas do jogo. Tudo se começa a tornar demasiado repetitivo a partir de determinado ponto. Temos dezenas de trabalhos para fazer, mas quando chegarmos à segunda metade do jogo, tudo continuará praticamente igual. Deixa de ser diversão e descontração para se tornar aborrecimento. Isto podia fazer com que não recomendasse muito o jogo, mas o twist está nas side quests, que na realidade poderiam ser o jogo principal.
É aqui que está o que me fascinou em Electrician Simulator. Como side jobs, ou side quests, podemos aceitar reparar equipamentos elétricos e eletrónicos dos clientes, no conforto da nossa bancada de trabalho na oficina. E aqui, meus adoradores de pronomes, é onde os verdadeiros homens se fazem. É aqui que o meu Eu da pré-adolescência se redimiu: com secadores, máquinas de café, ventoinhas, leitores VHS, walkmans, ou até mesmo uma consola dos velhos tempos. Podemos desmontar tudo peça por peça e depois reparar ou comprar os componentes defeituosos. Não só o processo é fácil como extremamente detalhado. Desde aplicar spray em parafusos ferrugentos, a medir a voltagem de transístores e outros componentes para identificar o problema, até usar ferro de soldar em placas de circuitos para retirar e voltar a colocar as mais variadas pequenas peças de eletrónica que se possam imaginar.
Este modo secundário de jogo deveria ser, na minha opinião, o modo principal, e por mais objetos avariados que o jogo tivesse, eu continuaria a jogar o mesmo ad aeternum. Infelizmente, esta variante do jogo esgota-se rapidamente e acabamos por ter de voltar aos trabalhos entediantes na casa das pessoas.
Mas fica desde já aqui o conselho para a Take It Studio!, e acredito que não estou sozinho nesta esperança entre os fãs do jogo. No próximo título, concentrem-se só nesta componente, ou então atirem-nos com carradas de DLC com mais objetos. A malta vota com a carteira. Não há-de ser mais caro do que chamar o Vitor Antunes.