O risco é um luxo ao qual a maioria dos criadores e empresas, especialmente as maiores, não podem ou não querem correr. Para cada estúdio como a Image & Form que em cada novo lançamento tenta trazer um novo género para os seus jogos, existem dezenas de estúdios indie igualmente bem-sucedidos que apostam em maximizar a sua experiência dentro do género onde se têm notabilizado. Aparentemente, esta era o caso dos Moon Studios, os criadores por trás dos geniais metroidvania Ori, até nos surpreenderem a todos com o lançamento em Early Access de No Rest for the Wicked, uma abordagem muito própria aos ARPGs.

Como disse, No Rest for the Wicked marca um desvio significativo na trajectória dos Moon Studios: enquanto Ori se destacou pelo seu estilo artístico delicado e jogabilidade fluida numa das melhores introduções aos metroidvanias que o público mais jovem poderia ter, este novo título mergulha-nos profundamente no mundo dos action RPGs isométricos com uma forte e óbvia influência dos jogos soulslike. Este título, apesar de estar ainda em Early Access, assume-se pelos seus autores como uma proposta completamente inovadora que irá revolucionar os RPGs. Uma afirmação corajosa, mas que terá de ser consubstanciada no lançamento final do jogo, e que neste momento de alpha ainda não tem suporte necessária para ser cumprido.

Não fosse a tremenda experiência e qualidade provada desta equipa surpreender-nos do contrário, mas a primeira coisa que nos chama a atenção quando começamos No Rest for the Wicked é a impressionante direção de arte do jogo. Com uma estética visual deslumbrante, numa abordagem que emula detalhadas pinceladas que trazem à vida toda a atmosfera deste estranho e por vezes aterrador mundo. Cada cenário é ricamente definido, com uma atenção meticulosa aos detalhes que contribuem para um festival visual e onde os efeitos visuais são de uma extrema qualidade técnica e artística.

O combate em No Rest for the Wicked é um desvio claro do que o frenetismo hack ‘n slash de ARPGs famosos como Diablo nos trazem. Aqui, o ritmo é mais lento e metódico, exigindo de nós uma abordagem redobradamente cuidadosa. A barra de stamina curta é um desafio constante, forçando-nos a sermos extremamente estratégicos tanto nos ataques quanto nos desvios (e deflecções, para quem sentir que domina esse aspecto o suficiente). Todas as mecânicas de combate e controlos são um claro aceno aos jogos soulslike, resultando numa estrada de dificuldade que pode ser frustrante devido à necessidade de uma calma quase zen para evitar os ataques inimigos e maximizar as janelas de oportunidade para contra-atacarmos. Uma dança onde a pouca stamina disponível torna ainda mais penalizador cada erro cometido por nós.

Outro risco interessante deste jogo é a total ausência de classes e a liberdade para equipar qualquer arma, desde que se respondam às estatísticas necessárias, promovendo assim alguma experimentação, com um sistema de level up baseado na proficiência com armas, incentiva-nos a diversificar o uso de armas.

No entanto, há aspectos desta proposta de putativa “revolução” do género que não consigo deixar de sentir como negativas, nomeadamente a introdução da variável de durabilidade dos equipamentos: uma mecânica que já me tinha irritado em jogos como Breath of the Wild. Sendo que em No Rest for the Wicked a durabilidade decai ainda mais rapidamente com cada morte, esta é a adição de mais uma camada de dificuldade num jogo que já de si é extremamente desafiante.

Outro problema de falta de polimento do jogo e que é cabal num jogo soulslike desafiante, mas justo, é que os ataques inimigos precisam de ajustes na forma como são telegrafados. Há nesta build actual momentos que parecem injustos, onde as animações e os sinais de ataque dos inimigos não fornecem tempo suficiente para uma resposta aatempada, o que somado aos elementos de durabilidade e a curta barra de stamina tornam este jogo por vezes ridiculamente difícil.

O sistema de respawn dos inimigos tem aqui outra diferença para com muitos jogos do género, ocorrendo apenas com o passar do tempo, o que acaba por impossibilitar (ou inviabilizar) o muito necessário grind, visto que não temos a agência de escolher quando é que acontece.

No Rest for the Wicked é um jogo ambicioso e visualmente impressionante que se afasta corajosamente das raízes dos Moon Studios, e ao mesmo tempo demonstrando o muito talento do estúdio austríaco. O seu combate é uma dança meticulosa e compassada, com influência dos jogos soulslike, apresentando um desafio desejado pelos fãs do género. Mas algumas decisões ou imprecisões como a durabilidade dos equipamentos e o o mau-telegrafar dos ataques inimigos precisam de ajustes para tornar o desafio mais justo, e mais coeso.

Para um jogo em Early Access, No Rest for the Wicked já demonstra um grande potencial e um conteúdo que remete para o primeiro capítulo da história. A dúvida que nos fica é se a corajosa afirmação de revolucionar o género poderá estar aqui ao alcance, ou se será mais um exemplo de uma promessa vazia, daquelas que abarrotam o inferno.