A arte tem servido como veículo e hospedeiro deste medo que temos da morte, a nossa, ou a de quem amamos. É estranho como alguns dos jogos emocionalmente mais acutilantes e inesquecíveis que já joguei poder-se-iam inserir, ou destacar, com um tag de cosy game. Aconteceu com Spiritfarer, The Last Day of June, RiMe e Sexy Brutale. E com imensa surpresa minha voltaria também a acontecer agora, em 2024, com Pine Hearts.

A forma como cada um de nós lida com a morte de alguém que amamos é inesperada, não pode ser adivinhada ou treinada. Só quem já sentiu esse vazio no peito e na alma sabe como e onde encontro os gestos para o ultrapassar. Ou preencher. Ou mesmo ignorar. Não há formas certas para este confronto, infelizmente inevitável nas nossas vidas, e é a sombra do medo que nos acompanha desde o início da nossa espécie. 

Neste jogo que vos trago hoje encontramos outra forma de viver a perda e o luto, de forma inesperada, num invólucro que transpira simpatia em todos os momentos e que de alguma forma pode ser, em si mesmo, o ponto de chegada de aceitação da dor.

Pine Hearts, o recém-lançado título da Hyper Luminal Games, apresenta-se como um jogo de aventura narrativa e relaxante, situado no acolhedor (e titular) Parque de Campismo Pine Hearts. Mas preparemo-nos: sob o seu exterior afável e personagens risonhos, esconde-se uma história profundamente emocional sobre luto e superação, onde a narrativa central leva-nos e ao protagonista a embarcar numa jornada que este desejava ter feito com seu pai antes da sua morte. Dou-vos este contexto emocional que não tive, sabendo que este dá ao jogo uma profundidade inesperada (e que não adivinhamos à primeira vista) e um tom melancólico, mesmo com um elenco de personagens e cenários alegres.

À medida que exploramos o parque de campismo e interagimos com outros campistas, descobrimos a importância de cada pequeno gesto e memória, e temos uma abordagem de coleccionismo com lágrimas espalhadas e escondidas pelo cenário que servem para desbloquear memórias do pai do protagonista, numa maneira inteligente e sensível de integrar a narrativa à jogabilidade. Estas memórias desbloqueiam novas habilidades, permitindo-nos interagir de maneiras diferentes com o ambiente e progredir na história.

A jogabilidade de Pine Hearts impele-nos a resolver problemas e ajudar outros campistas, em vez de seguir um caminho de aventura mais tradicional. Correlacionado com este nosso altruísmo está a falta de equipamento e conhecimento para escalar a montanha no início do jogo, forçando-nos a depender da ajuda dos outros e aprender com as experiências ao longo do caminho.

Cada interacção e tarefa finalizada revela-nos um pouco mais sobre o protagonista e o seu pai, criando um loop de jogabilidade reconfortante e simultaneamente significativo. As habilidades que vemos desbloqueadas pelas memórias, num momento de nostalgia do protagonista que revisita os ensinamentos do seu pai não só facilitam a navegação pelo parque de campismo, mas também proporcionam crescimento pessoal para o personagem e um progressivo confronto com a perda e a saudade do seu pai.

Porém, a necessidade de completar todas as quests e tarefas para avançar na história pode tornar-se repetitiva, especialmente devido à escassa diversidade das atividades, sendo que essa repetitividade pode por vezes colocar para segundo plano o impacto emotivo e o nosso próprio investimento emocional nesta escalada literal e metafórica, do protagonista.

A direcção artística de Pine Hearts é encantadora, com um ambiente colorido e personagens redondos que exalam simpatia, habitando um parque de campismo que foi detalhadamente construído, e que nos oferece uma sensação de tranquilidade que complementa bem a narrativa emocional do jogo. 

Não sinto que o que Pine Hearts nos traz lhe permita colocar-se no meu panteão de títulos que referi, mas há mérito nos Hyper Luminal Games por conseguirem criar um ambiente acolhedor e uma história profunda que ressoa emocionalmente connosco. 

Pine Hearts é uma escalada que vale a pena ser vivida, e quem sabe, ao lado do protagonista, também nós consigamos aliviar uma dor similar à sua.