Começam a tornar-se incontáveis as verdadeiras maravilhas indie que abordam temas profundos sem proferir uma única palavra. Entre o já decano Papo & Yo, que aborda o alcoolismo e a violência doméstica, passando por pesos pesados como Last Days of June e RiMe, e agora em 2024 exemplos como SCHiM e Hauntii, com as suas abordagens monocromáticas e mudas a levarem-nos por aventuras narrativamente complexas.
Hauntii é mais do que o tremendo impacto inicial que nos provoca com a sua soberba direcção de arte, onde o seu mundo monocromático de alto contraste parece ter sido desenhado com tinta e aparo, conferindo-lhe uma estética única onde cada detalhe visual contribui para a atmosfera etérea e melancólica, imergindo-nos na narrativa subjacente ao jogo. Até do ponto de vista técnico esta obra nos surpreende: com as exímias texturas criadas pelos tracejados e gestos manuais que o aproximam de gravuras.
Este jogo recém-chegado ao PC e consolas foi desenvolvido pelo estúdio Moonloop Games, traz-nos uma experiência única que cruza diversos géneros, especialmente os twin-stick shooters, combinando-os com mecânicas de puzzle e exploração encimadas por uma narrativa tocante.
Neste jogo vivemos a pele intangível de um fantasma preso na Eternidade, e logo nos primeiros instantes somos acompanhados por uma misteriosa rapariga que nos guia até a uma torre, apenas para ascender sozinha, deixando-nos para trás, com a sensação de que temos algo inacabado a prender-nos àquele plano.
A jogabilidade de Hauntii é uma mistura inicialmente estranha de exploração e resolução de puzzles, exigindo-nos que disparemos a nossa “força espectral” para interagir com o ambiente. A mecânica de possessão é uma das características mais identificativas do jogo, e é claramente inspirada em Super Mario Odyssey, algo que nem é refutado pelos seus criadores. Com esta habilidade, podemos possuir diversos objectos e criaturas do mundo belo e monocromático de Hauntii, desde árvores (controlando-os através da agitação, até a animais que nos podem levar um pouco mais longe.
Temos de resolver puzzles enquanto parte essencial do progresso, onde disparamos a nossa força espectral para possuirmos objectos no cenário e manipulá-los, dessa forma abrindo novos caminhos e chegando a áreas anteriormente inacessíveis. Tudo isto para ganhar estrelas, que utilizaremos para completar as introspectivas constelações, sendo que algumas delas só conseguimos ao enfrentarmos fantasmas hostis em combates que são equilibradamente desafiantes. Mas não em excesso, com a consciência dos autores de que poderiam estar a sacrificar o ambiente mais relaxante e melancólico do jogo.
A recolha de estrelas é o ponto central para a progressão em Hauntii, pois não só nos permite completar constelações, como nos dá a capacidade de melhorar uma das três estatísticas do nosso protagonista: o coração (a sua vida), o seu dash (essencial para fugir da fatal escuridão) e a sua essência (a energia que se gasta a disparar a força espectral). Estes upgrades são vitais para enfrentar os desafios crescentes do jogo, seja a exploração e sobrevivência das zonas de escuridão que nos consomem, sejam os combates e puzzles que ficam progressivamente mais difíceis.
A história, ainda que simples, é profundamente cativante, e temos esses primeiros indícios com a o início de relação silenciosa com a rapariga misteriosa e a travessia para encontrarmos o nosso propósito- e o que deixámos inacabado – tornando-se nos temas centrais que nos mantêm a braços com este jogo. Para isto contribui a impressionante atmosfera musical que se complementa na perfeição com a direcção de arte visual.
No meio de uma atmosfera melancólica e de um enredo emotivo, é impossível não contextualizar este Hauntii como um original twin-stick shooter narrativo. A combinação de mecânicas de possessão como instrumento de resolução de puzzles e combate cria uma experiência diferente de qualquer outro jogo, algo que só é ultrapassado pela inesquecível. direcção de arte com seu estilo monocromático desenhado a tinta e aparo.
Esta é uma experiência profunda que nos submerge emocionalmente, numa mescla de exploração, puzzles e combate com uma narrativa rica e uma estética única, tornando Hauntii numa recomendação imperdível e obrigatória.