Estaria a mentir se dissesse que é a dificuldade dos soulslike que me afastam de investir o tempo que os jogos requerem. O meu não mergulho em jogos da FromSoftware reside apenas nesse facto isolado: o tempo que ele irá exigir de mim, versus aquele que eu estou disponível para lhes dar.

É que para quem começou a jogar nas consolas de 8 bits a dificuldade não é, nem nunca foi um problema. Citando até livremente o Bane do Nolan, nós nascemos na dificuldade e fomos moldados por ela. Já terminei jogos como os Mega Man, os Battletoads e os Ninja Gaiden da NES, ainda na minha famiclone, sem saves. E aquilo que esses jogos e o seu desafio me pediam é o mesmo que um Dark Souls me pede: que dedique tempo a decorar padrões de ataque, timings, até que a memória muscular fale mais alto do que a necessidade de pensar sobre o que tenho de fazer. Instinto a ser educado pelo treino.

Nunca foi por isso que alguma vez critiquei o género, ou mesmo os jogos do estúdio pai que o notabilizou, assumindo que como todas as obras artísticas e culturais não são para todo o público, estes jogos não são excepção, e na fase da minha vida não lhes quero dedicar o tempo que eles necessitam, e que honestamente, merecem.

Por outro lado tenho também de admitir que a influência que este género tem tido em produções independentes tem permitido criar alguns jogos brilhantes. E um dos seus maiores exemplos é Nine Sols

Conhecido pelos seus títulos anteriores Detention e Devotion, que nos mergulharam no horror psicológico, o estúdio RedCandleGames explora agora novos territórios com um denominado soulslite. Com esta premissa os criadores utilizam este Nine Sols para prestar homenagem a Sekiro da FromSoftware, ao mesmo tempo que evocam a ansiedade e o loop metroidvania de Hollow Knight, criando uma peça única graças à sua fusão de elementos culturais orientais e cyberpunk.

Como disse – e os seus autores não escondem – Nine Sols é uma homenagem clara a Sekiro: Shadows Die Twice, da FromSoftware, incorporando numa abordagem bidimensional um combate desafiante e simultaneamente fluído, que exige precisão e paciência. Tal como em Sekiro, o combate em Nine Sols é uma dança rítmica que recompensa o timing perfeito de aparo de golpes, e a espera pelo momento certo para contra-atacar. Mas Nine Sols não se limita a imitar a sua musa, aproveita também o hype da espera da sequela de Hollow Knight, incorporando elementos metroidvania com um mundo interconectado cheio de segredos para descobrir e habilidades para desbloquear.

Como é facilmente reconhecível ao primeiro olhar, uma das características mais marcantes de Nine Sols é sua direcção de arte. A fusão entre elementos culturais orientais e um ambiente cyberpunk cria um mundo de jogo que é tanto familiar quanto inovador, onde as paisagens e os personagens são desenhados à mão de forma detalhada, misturando templos tradicionais com tecnologia futurista de uma maneira distintiva. Esta combinação não só oferece uma experiência visual única, mas também enriquece a narrativa do jogo, submergindo-nos nesta trama cósmica passado num universo onde o passado e o futuro colidem.

O combate em Nine Sols é onde o jogo realmente brilha, até para alguém que, como eu, tem fugido a sete pés de qualquer coisa remotamente próxima de um soulslike. Apesar da acção ser desafiante, ela é também extremamente recompensadora: com a precisão dos comandos a serem um ponto alto, permitindo-nos executar movimentos e ataques com exactidão milimétrica e onde a paciência é fundamental, pois cada encontro com inimigos, mesmo os mais fracos, exige de nós uma extrema observação e timing perfeito, transformando cada batalha num teste de habilidade entre a vida e a morte.

Sendo uma aventura de vingança, Nine Sols leva-nos através de nove distritos distintos, cada um, na velha tradição metroidvania, a trazer-nos novos poderes e mecânicas. Esta estrutura garante que cada distrito seja único, com desafios e inimigos específicos, incentivando-nos a adaptarmos as nossas estratégias conforme avançamos. A progressão não é apenas uma questão de aumentar o poder e ficar mais forte, mas também de nos adaptarmos aos novos elementos que cada distrito apresenta, e onde a boss fight respectiva é uma espécie de prova global.

Nine Sols é uma obra de arte que se destaca no cenário dos jogos independentes, num ano em que estes têm tido surpresa atrás de surpresa. Através da sua homenagem clara a Sekiro e Hollow Knight, o estúdio taiwanês criou um jogo que conseguiu aproximar-me de um género que eu habitualmente não me sinto próximo, e muito desse sucesso comigo passou pelo seu mundo visualmente deslumbrante. Com um combate fluido e preciso, Nine Sols consegue na perfeição mostrar, e explicar, o que nos quis prometer com o neologismo soulslite