Quando o Querido Líder me empurrou Knock on the Coffin Lid para o colo, sob o pretexto que tinha que fazer não sei o quê não sei aonde e não tinha tempo pensei que seria seguramente uma desculpa esfarrapada, já que nem ele abandona um deck builder nem eu gosto de os jogar. Vale o que vale neste ponto do campeonato já que o mal está feito, mas o certo é que o jogo é bastante bom!

Não sei se sou a pessoa certa para explicar o que Knock on the Coffin Lid é, mas arrisco dizer que é um card battler por turnos, roguelite deckbuilder. Gostaram como esta mistura linguística dá um ar pretensioso? Estou a esforçar-me para tornar o texto mais realista.

Graficamente num estilo de desenho animado, cores muito a virar para os castanhos, com uma construção que muitas vezes me lembrou as novelas visuais com que esporadicamente me cruzo. Este tom acastanhado que remete para o mundo medieval em que ocorre a história, também é complementado pela escolha musical bem adaptada a essa era.

Já que menciono a história é nela que reside o busílis de toda e qualquer questão, sendo ela o centro e ao mesmo tempo a âncora do jogo. Começamos o jogo com alguém, como o título do jogo tão bem indica, a bater-nos na tampa do caixão. Espera, estamos mortos, somos uma espécie de Carlos Paião dos jogos de vídeo ou somos o prenúncio da medianamente aguardada décima segunda temporada de Walking Dead? Nenhuma das três. Na realidade somos o projecto pessoal de um feiticeiro que nos devolveu à vida depois de sermos mortos em circunstâncias muito mal explicadas.

A nossa demanda fica sempre a oscilar num limbo mal definido entre perseguirmos os nossos interesses pessoais ou sermos somente um joguete numa trama real em busca de poder e, porque não dizê-lo, muita quadrilhice. Lamento dizê-lo, mas precisarão de bastantes horas para verem algumas das perguntas respondidas, mas a ambiguidade permanecerá.

A narrativa avança num misto de diálogo entre o nosso personagem e o mágico que nos vai apontando o caminho, e com algumas descobertas que vamos fazendo no mapa.

É neste mapa que decorrem a maioria das nossas opções, já que é aí que vamos escolhendo os nosso caminhos e enchendo os locais incógnitos de eventos que nos ajudam a perceber não só o mundo em que nos encontramos como os eventos que neles vão decorrendo. Perante tanta opção e ponto para preencher, sempre me pareceu que a díade escolha-consequência não foi bem aproveitada, com a grande maioria dos eventos a não ter uma opção real, ou a não ter uma opção boa e outra má. Algo que se revelou interessante com o tempo foi o facto de a informação que íamos recolhendo em cada um dos eventos nos permitia uma resolução diferente no futuro, mas para reunir essa condição precisaríamos de estar a trabalhar praticamente para ela, e nunca me pareceu produtivo o suficiente fazer esse esforço, mas se ficasse em caminho…

As batalhas essas são por turnos. Temos um baralho de cartas das quais vamos retirando algumas, cada uma das quais com os seus efeitos, e que usamos durante a batalha consoante o nosso “mana”. No fim de cada batalha ganhamos dinheiro, mais cartas para desenvolver o nosso baralho e/ou equipamento.

O nosso personagem também tem equipamento que vai ganhando. Cada peça de equipamento tem as suas características e, com sorte no que nos for saindo, podemos criar sinergias impressionantes entre o baralho e o equipamento. Embora encontrar equipamento seja mais ou menos fortuito, há mercadores que também nos podem vender algumas peças, ou comprar o nosso material depreciado.

Os vendedores também nos podem vender poções, sendo que estas também nos podem aparecer pelo caminho após as batalhas. Como habitualmente cada uma delas tem um efeito diferente, embora aqui nunca as tenha considerado capazes de virar o lado para o qual a batalha pendia.

Para acabarmos a história teremos de jogar o jogo algumas vezes. Cada vez que morremos voltamos ao início, sendo que o que guardamos é essencialmente informação, sendo os restantes bónus, quando os há, despiciendos. E mesmo acabar é um termo relativo, já que a satisfação de matar o boss é curta, já que somos imediatamente presenteados com o que poderíamos ter descoberto e não descobrimos, e nesse momento em que já planeamos a nova jogatana, percebemos que desbloqueámos novo personagem. Quando vamos jogando com esse novo achado percebemos que o mapa se mantém inalterado, mas as experiências são vividas de forma muito diferente, frequentemente também com diferentes desenlaces.

Algo também bastante criativo é que cada uma das personagens se joga de forma diferente, levando a que tenhamos de sair um bocado dos vícios da personagem anterior, e obrigado a criar novas sinergias.

Óbvio que está mais do que claro que o replay value do jogo é imenso, já que temos as 3 novas personagens, as múltiplas descobertas do mapa a multiplicar por cada personagem, e as diferentes resoluções de cada evento. Não faço ideia quanto isto dará em horas, mas a run mais simples tomou-me cerca de 9 horas, e embora haja informação transponível, duvido que se ganhe muito em cada nova personagem. Este tempo não engloba as múltiplas resoluções de eventos que nos são abanadas em frente à cara quando batemos o boss.

Neste momento a única critica que aponto ao jogo é a de manter muita cinemática igual entre diferentes runs, quando na prática já possuímos mais informação do que a da run anterior, mas é mesmo para isso que deixaram uma forma que nos permite saltar esses momentos.

Knocking on the Coffin Lid não é o meu jogo do ano, mas é a minha surpresa do ano. Esperava que me aborrecesse de morte, mas foi o oposto. Absorveu o melhor do meu tempo do que aquelas fraldas para bebé que absorvem dois litros de urina azul, possivelmente pertencente à prole Real. Estamos perante um jogo muito criativo, bem construído, inteligente e com humor interessante que ajuda um bocado à digestão do diálogo. O replay value gigantesco compõe o ramalhete e faz do jogo uma proposta obrigatória para os amantes do género, mas também para quem pensa que não gosta mas está curioso para experimentar, sendo uma belíssima aporta de entrada no género. Recomendadíssimo!