É-me incompreensível o regozijo de gente pela internet com o falhanço crítico e/ou comercial de videojogos. Começando pelo aspecto humano e laboral, porque esse momento negativo pode com elevada probabilidade significar o despedimento de trabalhadores, e indo até à estranheza de alguém se alegrar com o mal dos outros.
Tenho um imenso respeito pela Daedalic, não só como criadora mas também como editora de excelentes jogos indie ao longo da última década. Gollum poderia ter sido fatal para a editora gemânica, mas depois de alguns percalços fiquei feliz de chegarem novos títulos editados pela empresa de Hamburgo, e Shift 87 foi o último que me chegou às mãos.
Como preâmbulo deixem-me lembrar-vos que costumo fugir de jogos de terror como o diabo foge da cruz. Fui-me tornando mais susceptível ao longo dos anos, e a ansiedade com que jogos de terror me deixam é o suficiente para eu os evitar. Mas Shift 87 apresentou-me a uma forma de fazer terror através de um subgénero novo para mim, e que é quase um horror light, que eu consigo tolerar sem ficar taquicárdico para o resto da noite.
Shift 87, desenvolvido pelo estúdio Pixelsplit GmbH & Co. KG e publicado pela Daedalic Entertainment, leva-nos por uma experiência de terror ambiental num subgénero que começa a ganhar força: o intitulado observation horror. Neste estilo, a tensão e o medo não vêm de monstros que nos perseguem, ou na acção de sobreviver a uma criatura sobrenatural, mas sim da subtileza das mudanças no ambiente envolvente, criando dessa forma uma experiência psicológica profunda.
Em Shift 87, assumimos o papel de um funcionário da NORN Corp, e estamos encarregados de visitar e analisar três ambientes: um escritório, uma fábrica e uma bomba de gasolina. À primeira vista, os cenários podem parecer mundanos, mas é precisamente essa familiaridade que torna o jogo tão inquietante e que ao mesmo tempo nos desarma para o tom sombrio de tudo o que nos rodeia. A missão é simples, na teoria: temos de memorizar todos os detalhes destes locais e, ao regressarmos a cada um deles, temos de identificar as pequenas anomalias que existem. Estas anomalias e mudanças vão desde alterações subtis em texturas até à presença de entidades que aparecem para nos assustar, testando, e explorando o que há de mais perturbador na percepção humana.
Neste subgénero, o observation horror, o medo advém da sensação de impotência e da crescente paranoia: não há inimigos físicos para combater, nem puzzles complexos para resolver. Em vez disso, temos de prestar atenção aos mais ínfimos detalhes do ambiente e ser capazes de identificar mudanças minúsculas, muitas vezes quase imperceptíveis. É uma espécie de “jogo mental” onde a tensão aumenta à medida que uma voz nos pergunta na nossa cabeça: “Isto sempre esteve aqui? Este objeto mudou de lugar?“.
A atmosfera criada por Shift 87 é extremamente eficaz. O estúdio Pixelsplit consegue criar um ambiente opressor e claustrofóbico, onde temos a sensação constante que algo está errado, mesmo que à primeira vista não consigamos identificar o quê.
Cada um dos três ambientes apresenta o seu próprio conjunto de desafios, e a falta de iluminação e o sound design enervante contribuem, e muito, para este efeito. No escritório, por exemplo, a familiaridade com o espaço aparentemente seguro é rapidamente desfeita quando objetos mudam de posição ou pequenas alterações na decoração denunciam uma presença perturbadora. Na fábrica, o ambiente mais industrial e escuro amplifica o desconforto, com máquinas que parecem ganhar vida ou sombras que não fazem sentido. Finalmente, na bomba de gasolina, o isolamento do espaço – e o contraste com o escritório, por exemplo – cria uma sensação de vulnerabilidade extrema, onde cada ruído ou movimento parece um prenúncio de algo mais sinistro.
Essas mudanças não são óbvias, e muitas vezes temos mesmo de possuir uma observação aguçada para notar que um cartaz foi alterado ou que um objeto mudou de lugar. Apesar de relativamente curto, Shift 87 faz bom uso do seu tempo limitado para construir um ambiente assustador, utilizando jump scares ocasionais, mas de forma moderada e inteligente. Em vez de depender apenas de sustos fáceis, Shift 87 cria uma tensão contínua que nos mantém constantemente em alerta.
Shift 87 é uma experiência de terror verdadeiramente única, onde a necessidade de memorizar e revisitar os espaços à procura de pequenas mudanças cria uma sensação de desconforto e paranoia crescentes.