Jogar Paper Mario: The Thousand-Year Door na Switch foi uma experiência curiosa. Por muito que procure nos confins das páginas dos dicionários da Porto Editora, esta é possivelmente a melhor palavra que encontrei para classificar mais um dos empreendimentos da casa de Quioto em trazer a sua história para a sua mais recente consola – que nesta altura do campeonato, recente não é uma palavra adequada para a designar, apesar de não estar tecnicamente errado. Dizer que é uma experiência não é por ser totalmente diferente de todo e qualquer jogo que alguma vez foi concebido na série do protagonista de chapéu vermelho. É por ser considerado um dos melhores jogos Paper Mario, por uma boa parte dos jogadores, e de não ter, pessoalmente, nenhuma afinidade com o jogo – já joguei alguns Paper Mario, incluindo o primeiro lançado na Switch, o Origami King, mas nunca este clássico da GameCube.
A minha ignorância quanto ao jogo, antes de o ter iniciado, fez-me, naturalmente, conceber algumas expectativas para as dezenas de horas que se avizinhavam. Iria presenciar a melhor narrativa de sempre num jogo deste calibre? Havia essa possibilidade, apesar dos Mario & Luigi serem mecanicamente muito similares e bastante bons – se não forem até melhores que os Paper Mario, mas como não medi cada um deles num balança que pese objetivamente a qualidade de cada um deles e registar tudo num caderno enorme como se fosse escrever as atas das reuniões do condomínio, fiquei com a minha dúvida.
Tal como qualquer bom Super Mario, espero ser maravilhado a cada pressionar do botão que permite fazer saltar o canalizador da Nintendo. Já em Paper Mario, a magia do jogo não está no salto propriamente dito mas na narrativa, onde as minhas expetativas estavam mais altas que o normal. Seja qual for o jogo com o rei dos jogos de plataformas, sei que vou, no mínimo, esboçar um sorriso pelo divertimento que o jogo em questão me proporciona. Neste caso em concreto, em Paper Mario: The Thousand-Year Door quis rir-me e obtive esse meu desejo. E sublinho, não foi uma única vez, foram várias, principalmente quando o jogo ri-se dele próprio. Esta história é especialmente boa a fazer-nos despertar o interesse para acompanhar os seus eventos e peculiares desenvolvimentos, embora tenha personagens fortes e bem construídas com um historial muito bem pensado – mais interessante que a própria campanha. Até Bowser, que não tem qualquer influência na narrativa, tem uma participação muito divertida – é o nosso Super Mario de Paper Mario. Como é muito fácil perceber, há todo um mistério em torno de uma porta milenar, uma porta que queremos abrir a todo custo porque Princess Peach, na altura da GameCube, ainda não se tinha libertado dos estereótipos teatrais da donzela em apuros, foi novamente raptada. Contudo, aqui Peach não é o típico objeto para dar propósito à narrativa, é uma pessoa com sentimentos e emoções que tenta ser mais do que uma inutilidade para o desfecho do seu destino.
Há todo um elenco de personagens que vamos encontrar até ao boss final, onde, eventualmente, alguns deles vão fazer parte da vossa equipa – a denominada party dos RPG – para vos ajudar em inúmeras batalhas num mundo habitado por diversas personagens vindas do Reino Cogumelo (e não só) de jogos anteriores. Um dos primeiros a prestar-nos auxílio é um Goomba – a primeira criatura que podemos esborrachar com um salto na estreia da série Super Mario na NES. Na realidade tenho de usar um determinante artigo feminino (seja ele definido ou indefinido) para me referir a esta primeira ajudante, porque é uma Goomba cor de rosa (não vá alguém ter dúvidas que o género da personagem é não se esqueçam que é um jogo de 2004) ávida por conhecimento e por isso acaba por ser a nossa melhor ajuda em caso de nos sentirmos perdidos e sem saber para onde ir.
Cada novo membro apresenta-nos uma nova mecânica, que será usada para resolver puzzles que nos aparecem ao longo da aventura. Embora o jogo sofra de alguma repetição no combate, a frescura das mecânicas chega-nos através da resolução de quebra-cabeças externos ao combate. Todas as localidades são novas desculpas para usarmos a nossa cabeça para pensar como é que vamos avançar. Um novo destino no mapa é um novo conjunto de pequenos quebra-cabeças, nada que vos vá tirar o sono se não conseguirem resolver, até porque para este jogo devem ser ocorrências muito raras – tentam mais uma vez e faz-se luz. Há um pequeno prazer que retiramos ao descobrir a lógica do nível em questão e perceber como é que se processa o jogo, o controlo que temos sobre Mario ou as habilidades dos nossos companheiros que teremos de usar mais à frente. Se forem como eu, só ficam bloqueados se já não se lembrarem que podem utilizar uma habilidade que têm em vosso poder, prontas a usar sempre que assim o necessitarem. De todas as habilidades a que mais me enervou usar foi quando tive de enrolar Mario como uma mortalha, como se lhe fosse enfiar tabaco, porque temos de girar o analógico do Joy-Con direito incessantemente, como se a nossa vida dependesse do sucesso da sua transformação.
O meu maior problema com Paper Mario: The Thousand-Year Door é de ser demasiado fácil ao longo da campanha toda e no fim esbarrar com uma parede de dificuldade tremenda. O boss final fartou-se de me dar valentes tareias – sofri bastante com este inimigo. Obviamente, não é perder que me incomoda, o que me deixou frustrado foi o jogo não me ter preparado para aquele embate. Tive de usar tudo o que não usei até ali em termos de badges, ou seja, ativar outros diferentes que me davam utilidades defensivas ou ofensivas mais eficientes para a estratégia que queria utilizar. No fundo, tive de fazer grinding. E aqui é muito penoso e só quem tem uma paciência de Jó é que conseguirá atingir o nível máximo, depois de se aventurarem no Pit of 100 trials . Só consegui passar o último boss com Gonazles Mario no nível 35. Foi complicado, porque andei sempre no fio da navalha com a minha vida a chegar várias vezes a pontos críticos e as minhas investidas com os meus golpes mais poderosos infligiam muito pouco dano – o que acabava por alongar este passeio na corda bamba. Pareciam que as partidas nunca mais terminavam. Do nada, já numa fase avançada da luta o boss enervava-se e dava-me uma coça tão grande que num só golpe provocava mais dano do que o total da minha vida. Achei que seria uma missão impossível. Mas é claro que não é, a solução era mais grinding, afinal é um videojogo Nintendo – dos mais fáceis de sempre. Mas aquele boss teimava em não querer ser vencido pelo majestoso Mario, o rei das plataformas, o grande salvador da princesa Peach.
Talvez toda esta dificuldade, este desafio do último boss, tenha tornado a vitória mais saborosa. Até pode ter sido, mas ainda tinha o sabor a fel na boca, porque a frustração foi muito sentida – era escusado, foi anticlimático. Aquela frustração toda era melhor ser evitada porque cada vez que passava para a última fase do boss via uma cutscene muito comovente e cada vez que a via perdia o seu encanto, o seu efeito esmorecia cada vez que perdia. A minha convicção é que a dificuldade devia ter subido em crescendo e não ser uma linha horizontal o jogo todo e subir exponencialmente no último desafio do jogo. Nem sequer todo o Palace of Shadows me preparou para o confronto final, embora tenha ficado desconfiado quando enfrentei os três fantasmas que precedem a Shadow Queen. Perdi algumas vezes, mas não foram às dezenas como o último teste à minha capacidade de combater por turnos. Ainda por cima, as habilidades especiais consomem poder da estrelas, que tem de ser recarregado depois de ter sido esgotado. E não vale a pena utilizar os poderes ofensivos das habilidades especiais, são completamente inúteis perante a rainha maléfica. Isto é como um passeio no parque e o último destino é subir a escadaria do Bom Jesus de Braga, cinquenta vezes e ao pé coxinho.
Paper Mario: The Thousand-Year Door é muito bom, mas a dificuldade íngreme no último lance do jogo é uma pedra que fica no sapato depois de uma boa caminhada. É impossível ignorar este incómodo, pois já nos feriu o pé, como também não se pode desprezar tudo o que este jogo faz de bem, que é praticamente tudo. Felizmente, ficará connosco uma história para mais tarde recordar (deve ter sido este elemento que levou muitos jogadores a definir The Thousand-Year Door como o melhor da série Paper Mario). Se têm uma Switch e nunca tiveram uma GameCube, esta é uma excelente oportunidade para jogar uma história comovente, cómica e única. Só tenho pena que os visuais que simulam papel não sido utilizados de uma forma melhor. Para um jogo que saiu na GameCube este título é impressionante, assenta que nem uma luva no modo portátil da Switch, só tenho pena do último trecho o jogo, era algo evitável.