É fácil clamarmos uma total ausência de preconceitos, especialmente em obras artísticas e/ou de entretenimento, e lá termos um deslize algures no tempo e afirmarmos que determinado tipo de objecto não é para nós. Compreende-se também que diferentes gerações têm diferentes interesses, e isso dá-se por muitos factores, sendo que o acesso e o contexto cultural são obviamente um deles.

Não será difícil de compreender o porque é que eu, com um pé nos 40, tenho pouco ou nenhum contacto com toda a esfera de J-Pop e K-Pop, assim como o culto e a indústria por trás dos fenómenos idol asiáticos. Mas não conhecer não significa que não tenha uma imensa curiosidade e compreender o funcionamento de um segmento de mercado que não reinventou a roda, mas que simplesmente o adaptou aos novos tempos e a um segmento maioritariamente feminino e jovem.

O exemplo que me fez conhecer um destes fenómenos, o da boys band virtual B-Project, foi o videojogo B-PROJECT RYUSEI*FANTASIA, desenvolvido pela MAGES. Inc., e publicado no ocidente em inglês pela PQube. Uma visual novel joseimuke, sem os elementos típicos de romance, mas com uma imersão profunda nas vidas de idols virtuais, oferecendo-nos uma perspectiva interessante para conhecer os meandros do mercado, já que somos managers de A&R (Artist & Repertoire) do elenco constituído 14 idols pertencentes a diferentes grupos.

O B-PROJECT, pelo seu lado, é uma franquia transmedia que se estende por várias plataformas e formatos, incluindo anime, manga, CDs de drama e concertos ao vivo com performances de personagens virtuais. A série gira em torno de um grupo fictício de idols masculinos divididos em quatro boys band distintas: Kitakore, MooNs, THRIVE e KiLLER KiNG. Cada grupo tem uma identidade musical e estética próprias, mas todos fazem parte da agência B-PRO, gerida por nós. O nosso objectivo e missão é o desenvolvimento artístico e pessoal destes idols, onde as nossas decisões vão influenciar o seu desempenho e crescimento.

Na condução do elenco de 14 idols enquanto manager de A&R, podemos interagir diretamente com eles por meio de mensagens de texto e chamadas de voz. Estas interacções moldam a dinâmica e a relação que se constrói com cada membro, permitindo-nos até que ignoremos os seus contactos, algo que, obviamente, trará consequências nas relações futuras.

Estas interacções são avaliadas constantemente, e as nossas respostas influenciam diretamente a trajectória de cada idol, podendo criar diferentes caminhos de desenvolvimento e ramificações de histórias. Esta complexidade narrativa faz com que nos sintamos ainda mais imersos no nosso papel de managers, criando estratégias de promoção das bandas e dos seus membros, coordenando actividades e gerindo as personalidades diversas do elenco. Muitos jogadores mergulharam em B-PROJECT RYUSEI*FANTASIA à procura de romances, mas a sua ausência não diminui o impacto emocional do jogo, já que a narrativa se foca em desafios profissionais e interpessoais que nos permitem um vislumbre mais profundo deste mercado.

B-PROJECT RYUSEI*FANTASIA não é um otome game tradicional, onde o romance é um ponto central da narrativa, mas é classificado como uma joseimuke visual novel, um neologismo que desconhecia mas que se refere a conteúdos criados com o público feminino em mente, mas sem a obrigatoriedade de temas românticos. Nesta visual novel o foco, como disse, está em desenvolver uma ligação profissional e interpessoal com os idols, ao mesmo tempo que influenciamos as sua carreira e a sua vida musical.

Sem surpresas, um dos selling points de B-PROJECT é a sua forte ligação com a música, com lançamentos regulares de CDs, que são gravados pelas vozes dos actores que interpretam os idols nos animes e jogos. A música é parte central da experiência, e cada grupo dentro do jogo tem um estilo musical que os define, com os Kitakore, por exemplo, a terem uma sonoridade mais suave e romântico, enquanto KiLLER KiNG possuem uma estética mais… ousada. São estas diferenças que nos conferem uma real sensação de que cada grupo tem uma identidade própria que vai muito para além da narrativa do jogo.

B-PROJECT RYUSEI*FANTASIA é uma representação perfeita da tendência actual de experiências transmedia no Japão, e é abrangente o suficiente para que verdadeiros alienígenas ao fenómeno, como eu, que consigam ter o enquadramento e o usufruto do que os seus criadores querem representar.