“A Prince? There Hasn’t Been A Prince Here In So Long… I’ve Only Seen You”
Fariba
Este texto inclui spoilers
Tardou a escrever este texto sobre Prince of Persia: the Lost Crown, mas mais vale tarde do que nunca. Bem, nunca é uma palavra que não existe nesta nova entrada de um série “milenar” do mundo dos videojogos, já que Sargon tem a possibilidade de ir encontrando sempre formas de contornar erros de um passado-recente.
Este texto não é uma análise pura e dura, pois essa já foi escrita pelo arauto Rui Parreira, e convid-vos a relembrarem-se do que foi dito nela. É sim, uma introspecção daquele que foi o meu “GOTY” de 2025, revelando pormenores que de vez em quando me convencem a revisitar os vários corredores de Mount Qaf mesmo depois de tê-lo platinado.
Olhem, começo logo pelo final, por um mistério que ainda me assola o espírito e que já fez perder largos e longos minutos em buscas no google ou reddit. Na área que dá acesso ao boss final, existe um corredor que se expande para Este, terminando numa porta de metal. Nada, mas nada neste jogo foi inserido ou desenhado sem um propósito ou ao calhas, muito pelo contrário. Porém, aquela porta não se demove, mantendo-se fechada e se observar no mapa, não há mais nada para lá dela.
Mas então qual é a razão da sua existência? Será que é indicativo de uma próxima aventura neste nova saga do universo de Prince of Persia? Ou vamos ter um DLC surpresa que ninguém está à espera? Ou é simplesmente uma porta que está ali simplesmente para colocar um travão naquele corredor? E se sim, porque é que não termina simplesmente numa parede?
Este corrupio insano de ideias fantasiosas é provocada pelo próprio jogo, que em diferentes momentos consegue apanhar o utilizador desprevenido, seja por virtude de um suposto abismo que afinal tem algo no seu fundo, ou por uma parede que pode ser destruída, dando acesso a uma nova área.
Como qualquer bom conto dos tempos da Pérsia antiga, as miragens subsistem entre os vários corredores, salas, salões, bibliotecas, arenas, portos, florestas, que compõem aquilo que foi a capital do reino de Dario (inspirado em Dario I, Rei do Império Aqueménida durante o século VI a.c.), impondo a nós, os orientadores do protagonista, a vontade de desvendar esses mistérios.
Sejam paredes falsas, áreas escondidas por detrás de desafios de platforming desafiantes ou miragens inquebráveis até que um puzzle seja resolvido, o buffet deste Prince of Persia desenvolvido pela Ubisoft é memorável, rico e intemporal.
Os constantes twists e desenlaces em redor de toda a história são dos melhores de sempre deste franchise, oferecendo uma combinação de sabores frescos mas de grande respeito por aquilo que foi feito no passado. Isto faz com que haja uma correlação directa entre exploração e descoberta, com cada cantinho e buraco a ser uma espécie de convite. E quando não possuímos as técnicas para chegar a uma certa zona, é nos criado um bichinho interno que fica em modo semi-dormente, à espera do momento para nos lembrar ‘olha agora talvez já dê para chegar ali… pode ser esteja um amuleto novo lá escondido, ou até uma extensão das poções?!’
E essa curiosidade incessante é continuamente alimentada por via também da exposição imagética que nos é apresentado com as várias áreas a serem alimentadas por uma variedade de cores e traços artísticos que dão personalidade a cada curva, pilar, espaço ou região.
Não sei até que ponto os criadores tiveram a real curiosidade de revisitar certos pormenores culturais – sejam eles em relação à mitologia persa, aos costumes, ou históricos – e os inserir na trama, mas a verdade é que há um respeito total que só torna toda a aventura mais dinâmica. Os pormenores estéticos obedecem com rigor não só ao que era a arquitectura das principais cidades da Pérsia antiga, como introduzem uma série de detalhes mais “fantasiosos” e até presentes em obras como as Mil e Uma Noites, tudo factores que ajudam a muscular a experiência.
Para quem aprecia umas belas estátuas, ou relevos na parede, mas não percebe o seu simbolismo cultural-histórico, Prince of Persia: The Lost Crown obedece a essas regras. Para os que apreciam, então obedece ainda mais. Há secções que são retiradas dos poucos elementos que restam da antiga Persépolis, como as massivas estátuas dedicadas a grifos (simbolizavam a ligação dos monarcas com o divino), os relevos dos antigos reis ou as contínuas falanges de colunas que se podem ver no fundo. Isto pode parecer palha ou enchimento de artigo, mas não o é.
O contorno estilístico deste novo descendente dos Prince of Persia é um dos seus maiores trunfos e que favorece o jogo no seu todo, quebrando com a rotina de ter de andar de um lado para o outro, saltando de parede em parede, de evitar os espigões letais ou contornar/derrubar qualquer adversário que surja no nosso caminho.
Há muito mais a dizer sobre os pormenores estéticos, com alguns a poderem até passar ao lado e um bom exemplo disso é a possibilidade de encontramos o Simurgh no fim da Tower of Silence. Antes de mais, o Simurgh é uma figura mitológica da antiga Pérsia, associada ao conhecimento intemporal, ainda hoje reúne uma importância dentro da sociedade iraniana, sendo dos poucos elementos que não foram eliminados pelo tempo e sociedade.
Voltando ao jogo, do nada, esta força divina está ali, simplesmente a dormir no fim de uma arena de combate, imperturbável e serena. E porque é que isto causa estranheza? Porque supostamente o Simurgh tinha desvanecido por completo após a morte de Dario I. Como aquela porta que falei no início, este pormenor não pode estr aqui só por estar, mas talvez ainda não é o tempo para o mistério ser desvendado.
Acho também importante falar em Sargon. A saga de Prince of Persia teve uma série de protagonistas irreverentes capacitados de nuances em termos de carácter, crescendo ao ritmo da demanda, mas sempre revistos de uma tonalidade mais negra. Sargon, por sua vez, é talvez o herói mais “limpo” de todos – à excepção do jogo original –, querendo simplesmente resgatar o “príncipe” Ghassan e, subsequentemente, colocar um ponto final na conspiração que surge a partir desse evento. Existe uma relutância de Sargon em querer ser a cara dos Imortais, querendo simplesmente poder conviver com os seus companheiros de armas.
Contudo, à medida que o protagonista desbrava caminho, encontra outros Sargons de linhas temporais paralelas. Enquanto uns são movidos pela ganância de obter os poderes do Simurgh, uma mão cheia de outros são vítimas do desespero da destruição da sua realidade e procuram uma forma de salvar aquilo que não é recuperável.
Sargon termina a viagem (quase) inteiro no sentido físico, mas fracturado em espírito. A descoberta da “sua” verdade, o facto de ter perdido Vahram, Menolias, Orod ou Anahita, e o ter vivido, praticamente, mil vidas fazem com que Sargon não se sinta uno no fim da demanda.
Aquilo que parecia um simples combate entre o bem e o mal, o certo e o errado, acaba por se tornar num reescrever do tempo e de “reposição” de uma certa justiça que foi esquecida há 30 anos atrás, isto dentro da linha temporal deste The Lost Crown.
Como a gigantesca estátua que encontramos logo nos primeiros passos que damos em Mount Qaf, Sargon termina “suspenso” no tempo, fragmentado em pedaços e incapaz de voltar o que era antes do começo da aventura. A exemplo do que se sucedem em vários dos seus antecessores, fica um sabor agridoce na boca quando vemos Sargon a abandonar Persépolis depois de ter cumprido com a sua missão.
Há muito mais para dizer sobre este Prince of Persia: the Lost Crown, mas o tempo não é elástico, ou pelo menos na nossa realidade não o é, e com o Sargon, é importante que tu, o leitor, descubras pelos teus próprios dedos e olhos o que Mount Qaf ainda esconde a olhos vistos e… a não vistos.
O início de tudo…