A Supergiant Games já tinha marcado o seu nome na correnteza do rio do desenvolvimento de jogos com todas as suas produções, antes até de Hades existir. A extrema influência que Bastion provocou na indústria de jogos é nada menos que inegável, mas é fácil de sentir o porquê de ser Hades a arrebatar o consenso dos jogadores, já que representa um patamar irrepreensível de maturação para o estúdio. E vai, ao mesmo tempo, catapultando os action roguelikes para uma montanha de visibilidade que os tornou quase ubíquos.

Todos os sucessos, qual terramotos, criam réplicas: não é portanto de estranhar que muitos jogos comecem a surgir a mimetizar quase todos os elementos: a direcção de arte, o loop mecânico e o dinamismo de acção.

Um desses casos, e aventuro-me a dizer um dos melhores, podemos encontrar com o recente lançamento de Realm of Ink em Early Access, criado pelos estúdios Leap Studio e Maple Leaf Studio. Encarnamos o papel de Red, uma espadachim vestida de escarlate, num universo visualmente deslumbrante onde cada elemento parece ser pintado com aguarela e traçado a tinta da China com pinceladas orgânicas, aludindo às ilustrações tradicionais chinesas.

A estética de Realm of Ink é, sem dúvida, um dos seus maiores pontos atractivos: a inspiração nas ilustrações tradicionais chinesas transporta-nos para um mundo repleto de detalhes vibrantes, onde a própria tinta age como o material formador das criaturas e dos cenários. 

Os inimigos surgem como manifestações dessa mesma tinta titular, o que torna cada batalha conceptualmente coesa com o tema do jogo, e ao mesmo tempo uma experiência visual inesquecível. Como um apaixonado pela Tinta da China que sou e que a utilizo como ferramenta principal da minha expressão artística, é-me impossível ficar isento ante ao dinamismo textural das pinceladas que preenchem este jogo.

Quanto ao loop mecânico, Realm of Ink é facilmente comparado a Hades, e com razão. Red, a protagonista, pode adquirir Gemas Elementais de Tinta, que servem como ataques especiais para personalizar o seu estilo de combate, cada uma atribuída a um dos botões de rato (ou triggers, no caso do comando). 

Temos neste momento 17 gemas diferentes à nossa disposição para que possamos experimentar e criar a nossa build preferida, adaptando as habilidades de Red de acordo com o nosso gosto ou necessidade da dungeon onde estamos. 

Embora a variedade de Gemas (os poderes mitológicos divinos do Hades aqui traduzidos) seja um ponto bastante positivo, uma melhoria possível seria a inclusão de ícones ou outros elementos visuais que tornassem as gemas mais distintas entre si.

Além das Gemas, que podem ser trocadas e melhoradas, podemos também escolher entre 9 formas diferentes para Red, cada uma com um estilo de jogo próprio. Isso possibilita uma boa diversidade de builds, o que aumenta a rejogabilidade e a descoberta do setup ideal para a nossa forma de jogar. 

Nesta fase há também 9 bosses distintos, cada um a oferecer-nos um desafio diferente, e habitualmente duas formas únicas que temos derrotar em confronto. Esse conjunto de opções de builds e um combate extremamente dinâmico e desafiante encaixa numa narrativa que oferece múltiplos finais, garantindo uma experiência recompensadora para quem se aventura no mundo de tinta e acção de Realm of Ink.

Depois de ter dedicado dezenas de horas a Hades, é curioso como é este magnífico jogo indie baseado em mitologia e lendas chinesas quem para mim melhor conseguiu captar a essência e o feedback do que muitos consideram ser a magnum opus não só da Supergiant Games, mas do género. 

Apesar de estar ainda em Early Access, Realm of Ink é, sem dúvida, um dos roguelikes mais promissores do momento, combinando uma direcção artística brilhante que encaixa conceptualmente com a jogabilidade e o enredo. É mesmo com delicadas e orgânicas pincelas de tinta da China que se desenha um dos melhores action roguelikes dos dias de hoje.