Gosto muito de Lego. O facto de viver num T2 e de a minha conta bancária não ser sequer próxima à de influencers que amealharam fortuna a vender cursos da banha da cobra aos seus seguidores impedem-me de ter muitos mais conjuntos de Lego pela casa. Mas no espaço digital dei-me ao luxo de ter jogado todos os jogos que a Traveler’s Tales criou (incluindo o Lego Dimensions) e de os ter devorado à exaustão.

Falar da mítica de empresa de Knutsford é providencial para este artigo, especialmente se pensarmos nos tijolos por si criados em 2004 com Lego Star Wars: The Video Game, e que viriam a ser a fundação da tónica mecânica de todas as suas produções nos 18 anos seguintes.

Viajando do Reino Unido para a Europa continental, até à Holanda, de onde este Lego Horizon Adventures surge pelas mãos da Guerrila Games, e se assume como uma decisão que me apanhou de surpresa por muitas razões.

A primeira é pelo contexto temporal: se há algo que podemos identificar na SIE dos dias de hoje é que é o mais avessa ao risco que se pode ser, e isto identificado por alguém cuja aversão ao risco roça a patologia, como é o meu caso. Tomar a decisão de levar um dos seus grandes IPs dos últimos anos repensado num ambiente mais descontraído e familiar, alinhado com a estratégia da casa-mãe Sony de um sonho transmedia, é, admitidamente, uma postura que não esperaria da PlayStation de 2024.

A segunda é a chegada deste jogo first-party para a PlayStation 5 e para a Switch em simultâneo. É claro que isto se ajusta com a opinião de um dos dirigentes da PS, há anos, a congratular a Nintendo pelo lançamento da Switch e a afirmar que ela é uma excelente companheira doméstica a qualquer consola PlayStation. Mas daí a ter um first-party a sair em simultâneo na consola da “aparente” rival, é a prova cabal de que o mercado de hoje é amplamente distinto do que era há 5 anos. 

Lego Horizon Adventures segue a mesma tónica conceptual de todas as adaptações que a TT Games fez para a Warner Bros.: suaviza temas sérios, parodia-os, e cria uma experiência onde o humor e o absurdo são construídos com blocos coloridos. Imaginemos Aloy, a icónica caçadora de máquinas reimaginada em peças de Lego, explorando um mundo vibrante que combina o brilho dos tijolos coloridos com a natureza selvagem e pós-apocalíptica de Horizon Zero Dawn. 

Em Lego Horizon Adventures, temos a oportunidade de reviver esta saga de 2017 de uma forma mais relaxada (e relaxante), mas nem tudo são flores selvagens nesta aventura com uma grande dose de humor.

Apesar da extrema beleza artística do jogo e do seu cativante humor, o jogo tropeça onde os jogos Lego costumam brilhar: no design dos níveis e na criatividade das mecânicas. Se nos jogos da TT Games existia sempre uma componente de puzzle, onde cada personagem tinha habilidades próprias que nos obrigavam a rejogar para resolver todos os quebra-cabeças e recolher todos os coleccionáveis, aqui as ideias resumem-se a um parco jogo de acção.

Em cada nível fazemos pouco mais que enfrentar uma série de “arenas” ou “espaços” onde o objectivo é simplesmente eliminar ondas de inimigos, onde a falta de variedade de desafio torna a experiência extremamente repetitiva, especialmente para todos aqueles que viveram os últimos 20 anos de criatividade de game design dos jogos da Lego.

Mesmo a rejogabilidade que em todos os jogos da TT Games passava por desbloquear uma miríade de personagens com habilidades distintas, aqui remete-se apenas ao acesso de elementos de customização tanto de meras skins de personagens e edifícios para personalizar o nosso hub central, o Mother’s Heart. Apesar de o jogo ser divertido, é muito difícil de ignorar que poderia haver mais profundidade e inovação na campanha e nos níveis, e não apenas uma sequência após sequência básica de acção.

E agora sem exageros da minha parte, com a consciência de ter jogado tudo o que tinha Lego no nome dos últimos 20 anos, mesmo os jogos que não eram da TT Games: Lego Horizon Adventure é o jogo mais bonito a ser feito com os famosos blocos de construção dinamarquês. Cada máquina, montanha e mato em Mother’s Heart e além foi recriado com uma atenção aos detalhes que deixa qualquer um de queixo caído, onde as paisagens são vivas e pulsantes, enquanto os brilhos dos blocos Lego criam uma atmosfera única e com o qual apetece interagir no mundo real.

Narrativamente a Guerrilla Games investiu em despir o seu enredo aos seus elementos mais elementares, tornando a aventura épica de Horizon Zero Dawn em algo leve e bem-humorado. Aloy e restante elenco ganham momentos engraçados que transformam a tensão do original em gargalhadas inesperadas, até um Thunderjaw de Lego é menos ameaçador quando lhe podemos bater com um separador laranja oficial.

Para além dos elementos customizáveis, podemos também gastar os nossos habituais studs numa árvore de habilidades simples que ajuda a evoluir Aloy e os outros 3 personagens jogáveis ao longo da aventura. Para além disso as armas seguem o conceito de elementos do jogo original, acrescentando alguma estratégia na escolha das ferramentas para enfrentar as máquinas. Armas e gadgets, no entanto, são obtidos aleatoriamente nos níveis como loot dos inimigos, obrigando-nos não a planear mas a adaptar-nos perante cada desafio.

Lego Horizon Adventures é uma aventura divertida e visualmente brilhante, perfeita para fãs de Aloy e da estética mais familiar, mas para quem, como eu, procurava a fórmula inventiva impressa nos grandes jogos de Lego das últimas décadas, este é possivelmente o jogo mais simplista que já jogámos. O que é uma pena, porque a Guerrilla poderia ter feito um compromisso entre a escala de puzzles e unlockables quase infindável de Lego Star Wars: The Skywalker Saga e uma proposta tão básica quanto esta em conteúdo.