Ainda ando à procura do título que me faça – e citando a máxima anglófona e título de uma belíssima música dos Tears for Fears – ficar head over heels por soulslikes. Curiosamente foi outro grande indie do género deste ano que mais perto esteve de o fazer. Falo, obviamente, de Nine Sols.
Apesar de nunca ter jogado Sekiro, compreendo, de o ter visto a ser jogado e de ter conversado com quem conhece a FromSoftware de trás para a frente, que a sua proposta é extremamente original, e criativamente única à época que saiu. Não é de surpreender, portanto, que a sua originalidade acabasse por reverberar por criadores indie um pouco por todo o mundo, e Bloodless é mais um filho dessa inspiração.
O estúdio indie Point & Sheep traz uma proposta diferente para os soulslikes com Bloodless, subvertendo a tradição dos soulslikes ao colocar-nos na pele de Tomoe, uma ronin envelhecida, no seu retorno carregado de peso emocional à sua terra-natal, o distrito de Bakugawa. Depois de muitos anos fora, Tomoe encontra o seu velho mestre, o Shogun Akechi, a governar o distrito com um punho de ferro. A sua reputação precedeu-a enquanto assassina impiedosa, levando-a agora a jurar perante a sua família de nunca mais tirar uma vida.
Este compromisso é a alma de Bloodless, moldando a jogabilidade em torno de parries precisos e desarmes obrigatórios. Inspirado pelo loop mecânico de Sekiro: Shadows Die Twice, o jogo transforma cada combate numa dança que é ao mesmo tempo um teste técnico de reflexos e timing. Aqui, não atacamos, reagimos apenas, desviando-nos de golpes, abrindo a guarda dos inimigos e desarmando-os com movimentos bem-calculados. Abandonando completamente a violência ofensiva, Bloodless oferece uma experiência (quase) pacífica que coloca a defesa no centro da sua jogabilidade.
Esta abordagem pacifista torna Bloodless num desafio único por si só. A ausência de ofensiva tradicional exige que adoptemos uma mentalidade completamente diferente, onde a paciência e a precisão se tornam ferramentas mais importantes do que agressividade.
A história de Bloodless é um mergulho num conto sobre violência e redenção, onde a narrativa minimalista serve para explorar as consequências das escolhas de vida sangrentas e a possibilidade de quebrar esse ciclo, mesmo contra todas as probabilidades.
Com uma direcção de arte que parece saída directamente de um cartucho de Game Boy Color, Bloodless aposta no minimalismo visual para destacar a sua essência mecânica e narrativa. A simplicidade gráfica não diminui de forma alguma a profundidade emocional ou a intensidade dos combates, provando que uma apresentação a abraçar com força a nostalgia pode carregar um peso artístico e mecânico impressionantes.
Para além de ser uma abordagem extremamente original para os soulslikes, Bloodless é mais do que um jogo de acção sem ataques: é um manifesto contra a violência como solução inevitável num género que naturalmente a celebra. Com a sua jogabilidade técnica, narrativa introspectiva e estética nostálgica, Bloodless junta-se a Nine Sols na minha experiência pessoal como os títulos que mais aproximadamente me trouxeram para o mindset estabelecido por Hidetaka Miyazaki.