Provavelmente até vão pensar que estou a escrever este artigo como proselitismo da minha social-democracia (a verdadeira, não aquela que o partido com esse nome diz defender), e que venho relembrar que no caso da Marta Temido, a Ministra da Saúde que tutelou a área no maior desafio dos últimos cem anos, se demitiu após a infeliz morte de uma grávida de 34 anos. E nem quero lembrar que passámos a última semana a falar da cor da capa do boletim de saúde infantil como forma de desviar as atenções das 11 mortes ocorridas aquando da greve do INEM, e do silêncio e incapacidade da Ministra Ana Paula Martins em assumir o assunto. Dizem que a História encarregar-se-á de fazer justiça sobre estes casos. Menos para as 11 vítimas, que para esses, infelizmente, já é tarde.
Mas falemos do INEM, ou neste caso, num serviço de emergência ficcional, na também ela ficcional cidade de Neo Habor. Neo Harbor Rescue Squad, desenvolvido pelo estúdio indie BancyCo, é uma fusão curiosa de visual novel e mecânicas de simulação médica, que me lembra, e muito, o primeiro jogo de DS que joguei, Trauma Center, mas com um tom mais descontraído. Disponível no Steam, PS4 e PS5, o jogo transporta-nos para uma cidade onde os bombeiros são celebridades com direito a posters espalhados pelas paredes, qual boys band. Esclareço: posters esses onde aparecem vestidos.
Em Neo Harbor Rescue Squad asumimos o papel de Rookie, um jovem paramédico recém-integrado que enfrenta a desconfiança do público para com a titular equipa de socorro. A Rescue Squad é muito mal visto pela população, em oposição ao estatuto de ídolos dos bombeiros, mas cabe-nos, através das nossas acções, reverter essa reputação e mostrar o nosso valor a salvar vidas. Penso que ainda não vos disse que a nossa equipa inclui um golfinho. Porquê? Porque sim.
Ainda que no seu âmago principal mecânica de Neo Harbor Rescue Squad é a gestão de prioridades em situações de emergência. Cada resgate envolve mini-jogos temporizados, onde levamos a cabo procedimentos médicos como remover estilhaços ou operar um desfibrilador. Mas a falta de instruções claras para esses desafios com o qual nos deparamos em choque acaba por ser frustrante, deixando tudo para ser descoberto em tempo real. Esta abordagem cria tensão, o que tematicamente faz sentido, mas por vezes roça a injustiça, especialmente em mini-jogos mais complexos ou pouco intuitivos.
Mas como em qualquer visual novel, o seu apelo está nos detalhes, no elenco e na narrativa. A dinâmica da equipe mistura personalidades excêntricas, incluindo o já mencionado golfinho, que traz um toque surreal e cómico ao ambiente de trabalho que se espera tenso. As interacções ajudam a equilibrar o tom sério das emergências com diálogos bem-humorados e momentos de riso, em especial a forma bizarra como os nossos rivais, os bombeiros, são idolatrados por todos, e como as vítimas preferiam ser socorridas por eles e não por nós.
Embora a curva de aprendizagem abrupta dos mini-jogos capte a pressão do trabalho real de paramédicos, uma melhor comunicação de objectivos e controlos permitir-nos-ia outro nível de diversão, num jogo onde temos de proritizar os doentes por ordem de gravidade, em contra-relógio.
Neo Harbor Rescue Squad é uma abordagem interessante no mundo das visual novels com mecânicas e mini-jogos interactivos, e que me remete para uma série algo esquecida no tempo mas que adoro: Trauma Center. Para quem procura algo diferente, numa visual novel intensa e repleta de mini-jogos com toques de criatividade e desafio, Rookie, o golfinho e o resto da equipa merecem a nossa atenção.