Depois da minha experiência muito positiva com Hellblade: Senua’s Sacrifice, estava mortinho para jogar Senua’s Saga: Hellblade II, e se por um lado estou muito contente com a direcção do jogo, por outro tenho que dizer que essa direcção agrilhoou de tal forma a jogabilidade que a açambarcou por completo, deixando-me a pensar se o jogo é brilhante ou está uns furos abaixo do primeiro. Como sempre, depende do ponto de vista.
Vamos começar pelo que mais rapidamente salta à vista. Senua’s Saga: Hellblade II deve ser neste momento o padrão da evolução gráfica nos videojogos foto-realistas. Que maravilha de qualidade gráfica. Impressionante o motion capture, incluindo o cabelo, algo que me surpreendeu de imediato. Tenho que dizer que joguei no PC e a minha torre é um pouco mais fraquita que a Xbox Series X, mas mesmo assim o jogo cria ambientes tão realistas que parece que eu próprio estou na Islândia. A construção gráfica está tão bem feita que até a jogar em cloud com rede duvidosa num ecrã de 5.4 polegadas, numa janela de browser, pois a aplicação do Xcloud não funciona em iOS, o jogo é impressionante, por vezes até mais imersiva pois no telemóvel não tinha as barras horizontais no ecrã, embora também tenha de dizer que depois de cinco minutos já nem reparava que existiam.
Melhor ainda é a qualidade sonora. O vento, as vozes, o som envolvente. Jogar este jogo sem headphones em condições é quase criminoso, e talvez até chegue a interferir com a experiencia que tiramos do jogo. É recomendado o seu uso antes do jogo começar, e volto a fazer esse apelo.
Muitas vezes tudo isto se esboroa numa história medíocre, mas mesmo isso está acima da média. Entendam que provavelmente não se escreverão livros a contá-la, mas esta foi concebida para realçar por completo a evolução da doença mental de Senua e isso é pouco falado.
Desde há alguns meses que vou alternado o meu exercício profissional no Serviço de Internamento de Psiquiatria e Doença Mental, e cada vez mais estes problemas são o meu dia a dia. Depois do sucesso crítico que foi o primeiro jogo, e quiçá a entrada de fundos providenciada pela família Microsoft, tive um bocado de medo que se caísse na tentação de fazer um jogo diferente, mas a Ninja Theory não foi em facilitismos e continuou a sua demanda no mundo da saúde mental, algo que teria sido tão fácil de abandonar depois de terem provado o seu ponto no primeiro jogo, que teve um final que até deu margem para isso.
Felizmente não o fizeram. O que Senua vive é a evolução natural da sua doença. No primeiro jogo combateu os seus demónios pessoais, no segundo abraçou-os e começa a tentar organizar-se para viver com outros ao mesmo tempo que descobre novas vertentes da sua doença. Nisso o jogo é brilhante e, neste momento, incomparável. Relembro que não há qualquer medicação. Senua vive com a sua doença apenas com a ajuda de quem a rodeia e o seu autocontrolo. Não consigo descrever a minha surpresa com esta representação, vejo este facto poucas vezes enaltecido e, talvez por terem entrado numa mega corporação, ninguém mais se preocupou com o que isto pode representar para quem vive com alguma psicose. Tiro o meu chapéu à Ninja Theory.
O problema é que todo o investimento nas componentes técnicas aparenta ter deixado o gameplay um pouco ao abandono, voltando a deixar o jogo num limbo desinteressante sobre o que quer ser, com tudo o que de bom tinha no primeiro, aqui aparecendo executado de forma inferior.
Os puzzles perderam a novidade e complexidade, desaparecendo os momentos de exploração para encontrar novos ângulos de visualização de um objecto, algo que muitas vezes vinha acompanhado de uma paisagem incrível, tornando estes momentos mais esparsos e, por vezes, até desenquadrados do jogo em si, o que me levou pontualmente a pensar que nem era preciso que existissem, assumindo o jogo definitivamente a sua componente de walking simulator. O próprio combate parece muito mais simplista, tendo a pouca dificuldade sido substituída por espetacularidade, com as lutas agora a aparecerem encadeadas como se de um bailado se tratasse, o que faz com que nunca lutemos com mais que um adversário de cada vez. Se no primeiro jogo ainda se conseguiram criar alguns momentos memoráveis, aqui mais vale não contarem com isso, e nem a luta final tem qualquer momento que valha a pena recordar.
E é neste ponto que me encontro. Por um lado o jogo é brilhante a representar a evolução da psicose sofrida por Senua, sendo que essa representação, embora o possa parecer, não é mais do mesmo, é mesmo bastante diferente daquela do primeiro jogo, mas o senão é o outro lado, onde quer os puzzles quer o combate estão uns furos abaixo daquilo que foram. Senua’s Saga: Hellblade II é um jogo bastante bom. Ao contrário do que li muitas vezes, a mim não me aborreceu minimamente, bem pelo contrário. Talvez gostasse que assumisse frontalmente a sua vertente de walking simulator, mas entendo porque não o fazem e, mesmo assim, não posso deixar de ficar impressionado com o que foi feito.