Tenho de vos pedir desculpa por fazer um desvio tremendo – como aliás, costuma ser meu apanágio – para vos falar da referência búlgara que eu tenho desde pequeno, e ela não é geográfica, nem cultural, é sim, futebolística. Como sportinguista (e a depressão actual de irmos do Céu ao Inferno em tão pouco tempo), as minhas memórias com a Búlgaria passam por dois jogadores gigantes que imprimiram o seu nome na História do meu clube e do futebol português. Falo, obviamente, de Ivaylo Yordanov e de Krasimir Balakov. Dois colossos numa equipa cheia de estrelas mas que foi, como está inscrito na memória colectiva, uma desilusão por isso mesmo.
E depois de um desvio tão grande à procura do Centro Cultural, indo à rotunda e virando à esquerda no Café do Barbosa, porque é que passei pelo Sporting antes de falar de Marko: Beyond Brave? É que se os dois brilhantes jogadores búlgaros estão infelizmente ligados a épocas de desilusão do Sporting, também este jogo búlgaro visualmente brilhante vai ficar na minha memória como mais uma metroidvania decepcionante de 2024.
Marko: Beyond Brave, desenvolvido e publicado pelo estúdio indie Studio Mechka, é um metroidvania que há muito cativou a nossa atenção graças a uma direção artística impressionante unido a uma refrescante viagem por lendas eslavas.
A história deste finalista do Indie X 2023 passa-se em Zagora, um mundo imerso em mitos e tradições folclóricas do Leste Europeu. O protagonista, Marko, embarca connosco numa aventura épica para restaurar o equilíbrio de seu lar, tendo pelo seu (e nosso) caminho criaturas sobrenaturais que o levarão a desvendar os mistérios da sua linhagem.
Não sendo um jogo inédito a trazer a cultura eslava para os videojogos, é sempre de elogiar estas obras carregadas de símbolos culturais menos saturados como os nórdicos, levando-nos numa experiência que se sente de alguma forma mais única que tantas outras que temos tido.
A direção de arte de Studio Mechka é sem sombra de dúvida um dos destaques, senão o maior destaque do jogo. Cada cenário, assim como personagem parecem saídos de um filme de animação tradicional, e de vermos cada frame como uma ilustração repleta de detalhes e cores que evocam um conto de fadas sombrio. As animações dos personagens e dos inimigos são de uma fluidez impressionante, tendo a criatividade visual dos bosses assumido um dos pontos mais memoráveis de todo o jogo.
A banda-sonora complementa essa estética, mergulhando-nos em melodias folclóricas com tons mais sombrios, emanando uma atmosfera imersiva que captura a essência do jogo e os elementos culturais da Bulgária.
Apesar de Marko: Beyond Brave ser visualmente tão apelativo, na sua essência mecânica está o loop clássico do metroidvania: mapas intrincados para explorar através de habilidades desbloqueadas, e claro, muitos segredos escondidos. No entanto, o jogo tenta diferenciar-se dos demais jogo do género ao incorporar mecânicas inspiradas por temas de coragem e sacrifício.
Infelizmente, a magnífica direcção de arte de Marko: Beyond Brave e o seu interessante worldbuilding são traídos na sua potencialidade por uma série de problemas técnicos, que começam logo na imprecisão dos seus controlos. Os saltos, e o quão afinadamente precisos eles são, deveriam ser uma pedra basilar para um género onde a exploração bidimensional e os saltos assumem um papel preponderante. Apesar de algumas sucessivas correcções e updates dos seus criadores, ainda sinto que a distância do salto não é tão objectiva e precisa quanto um jogo destes necessita.
Para além disso – e recuso quem queira colar esta decisão mecânica a uma proximidade com a dificuldade de um soulslike – o desafio de Marko: Beyond Brave parece-me excessivo. É imensa a frustração que nos traz os blocos consideráveis de vida perdidos para o mero toque do mais simples dos inimigos. Há um desequilíbrio do desafio com as percentagens de dano dos muitos adversários a soarem pouco pensadas entre si, o que só piora com os problemas de controlos que se estendem até ao combate.
Marko: Beyond Brave é uma prova do talento artístico e da visão criativa do Studio Mechka, mas cuja desafinação de controlos e de algumas decisões estranhas de game design o colocam numa lista demasiado longa de metroidvanias de 2024 que ficaram aquém de cumprir o seu potencial.