Crescemos com a estética das animações stop-motion bem presentes na nossa mente. À época, a utilização da técnica funcionava como uma excelente forma de materializar as ideias que os animadores tinham, décadas antes das potencialidades que o CGI traria. 

Da minha parte, admito, que prefiro o ritmo acidentado do stop-motion à fluidez artificial que as produções CGI trouxeram, e penso que nem são os óculos da nostalgia a falarem mais alto. É que essa parte manual, artística, ao qual estendo aos practical effects no cinema, têm uma expressão orgânica que o digital, penso, nunca terá.

E não deverei estar sozinho nesse sentimento, ou não fossem algumas das obras recentes mais emblemáticas da animação a tentarem reproduzir os acidentes e as limitações técnicas de outrora como elemento diferenciador, dos quais Arcane e Spider-Man: Into the Spider-Verse são alguns dos melhores exemplos.

É por isso sem surpresa que ao primeiro contacto com The Spirit of the Samurai, o jogo indie desenvolvido pelo estúdio Digital Mind Games e publicado pela Kwalee, me captasse a atenção de imediato. 

Utilizando técnicas de animação stop-motion, a sua direcção de arte é um espectáculo visual inegável, que lhe confere uma atmosfera única e sombria que nos cativa desde o primeiro momento.

A história de The Spirit of the Samurai é narrada pelo espírito-raposa Kitsune para um rapaz e o seu gato, e fala da lenda do samurai Takeshi, um guerreiro que tem a capacidade de comunicar com o mundo dos espíritos. 

Cada movimento e interacção é reproduzido com o ritmo acidentado que só o stop-motion pode oferecer, elemento técnico que acaba por transformar monstros e criaturas em verdadeiros pesadelos vivos. As animações mais tradicionais amplificam a sensação de perigo e desolação deste mundo negro e em chamas, criando um cenário sombrio e quase palpável.

Mas é em termos de jogabilidade que a direcção de arte de The Spirit of the Samurai é traída, e no desafio único da sua inspiração em elementos de jogos soulslike, que requer, como sabemos, combates desafiantes e metódicos, mas sobretudo justos e equilibrados. 

Takeshi pode usar a sua katana para lutas corpo-a-corpo ou optar por armas de ataque à distância, como arco e flechas ou kunais. No entanto, a precisão esperada em jogos deste género é prejudicada por hitboxes notoriamente inconsistentes, ou comandos pouco responsivos ou cancelados por animações a decorrer. Estas falhas são especialmente notórias num jogo e num género que exigem precisão e estratégia, e a sua fraca optimização acaba por comprometer a experiência geral.

Para além disso, a linearidade extrema da aventura contribui para contar a história de forma directa e eficaz, mas reduz em muito a exploração e descoberta, elementos fundamentais para jogos de inspiração soulslike, onde o mapa é virtualmente inútil já que não podemos revisitar nenhuma área. 

O que me aborrece verdadeiramente – e quantas vezes vociferei que um dos meus maiores problemas em qualquer campo é a falta de cumprimento de potencial – é que The Spirit of the Samurai é uma verdadeira conquista no campo artístico. Demonstra-nos na perfeição como é que técnicas tradicionais podem ser reinventadas para criar experiências únicas no universo dos videojogos. No entanto, um videojogo é mais do que a sua direcção de arte, e especialmente num género onde The Spirit of the Samurai se quis basear, a jogabilidade e a profundidade dos inimigos e do mundo (que é reduzidíssima aqui), tornam-no numa experiência mecanicamente incompleta.

The Spirit of the Samurai é, visualmente, sem dúvida, uma obra de arte interactiva. Resta apenas saber se o público estará disposto a perdoar suas falhas mecânicas para apreciar sua beleza, o que me deixa uma pergunta na cabeça: seria The Spirit of the Samurai uma obra mais coesa como uma curta-metragem ou um filme?