Apesar de ter começado a jogar em tenra idade nos anos 1980, foi nos anos 1990 que me defini definitivamente como jogador. Iria longe para afirmar que a própria indústria se definiu nessa década, mas talvez esteja a ir longe demais, ainda que facilmente debateria esta posição, e acredito, em muitos aspectos, ser fidedigna com a realidade.
Em meados da década a transição para as gerações de consolas mais poderosas levou a uma obrigação criativa de grande parte dos criadores em produzirem objectos predominantemente tridimensionais. Em retrospectiva conseguimos ver muitas séries e abordagens que foram nascendo nesse período de transição, com o teste do tempo a ser afável para umas, e cruel para outras. Mas é indiscutível que foi mais um dos muitos períodos da História deste meio que tanto amamos que é uma fonte quase inesgotável de inspiração para gerações de devs, especialmente indies.
Posto isto, e pegando numa série muito específica, Donkey Kong Country, o repensar do mundo de Donkey Kong que a histórica Rare produziu para a Nintendo e o facto de que já lá vai uma década desde que uma nova iteração viu a luz do dia. Mas por curiosidade, têm sido indie devs a ocuparem esse espaço e a suprirem essa falha, sendo que o jogo do qual vos vou falar hoje é possivelmente o melhor exemplo nesse espaço.
Nikoderiko: The Magical World, desenvolvido pelo estúdio cipriota Vea Games e publicado pela editora Knights Peak é um encantador tributo a duas séries clássicas de plataformas. Inspirado directamente tanto por Donkey Kong Country e Crash Bandicoot, o jogo é uma celebração dos melhores elementos dessas duas séries icónicas, decalcando, muitas vezes, momentos memoráveis de ambas.
Os protagonistas, Niko e Luna, são dois mangustos aventureiros que nos guiam por uma aventura bidimensional repleta de detalhes e desafios. A influência de Donkey Kong Country é directa: desde o design dos níveis com múltiplos segredos escondidos até à jogabilidade fluída e dinâmica, com as mecânicas a reproduzirem o comportamento exacto de Donkey Kong. Mas Nikoderiko não se contenta em apenas homenagear: inova também ao alternar a perspectiva clássica lateral para corredores tridimensionais que evocam Crash Bandicoot.
Cada nível de Nikoderiko apresenta uma mistura criativa de obstáculos, inimigos e perigos, mantendo a experiência fresca, e onde percebemos o esforço dos Vea Games incluir novos elementos, garantindo que a aventura nunca nos pareça repetitiva. Esse dinamismo é complementado por uma dose saudável de desafio, tanto para completar os níveis quanto para colecionar os inúmeros itens espalhados, começando pelas famosas letras que colectávamos, por ordem nos platformers do período que este jogo homenageia.
É também inegável o verdadeiro espectáculo visual deste jogo: a sua direcção de arte colorida, vibrante e repleta de detalhes é um convite irresistível para explorarmos o seu mundo cativante. As animações são fluídas, e acompanham os controlos igualmente coesos, ao passo que os cenários, criativos, trazem identidade e personalidade a cada ambiente e bioma. Para todos os que jogaram os clássicos Donkey Kong Country e Crash Bandicoot, Nikoderiko será como voltar para casa, com mecânicas que funcionam exactamente como já vimos, mas que muitas vezes demonstram uma ausência de riscos em termos de design. E aqueles que procuram alguma inovação significativa podem sentir falta de elementos que transcendam a mera homenagem e introduzam algo verdadeiramente novo para além da alternância de perspectivas.
Nikoderiko: The Magical World não tenta reinventar a roda, mas sim polir e homenagear momentos muito específicos da indústria dos anos 1990, e fá-lo com a mestria de quem não só compreende as suas inspirações, como as soube trazer para os dias de hoje.