Apesar dos first person dungeon crawlers, ou blobbers, como muitos os apelidam, já andarem por computadores um pouco por todo o mundo desde os anos 1980, com Wizardry e Bard’s Tale a encabeçarem essa perspectiva, foi na realidade um indie, Legend of Grimrock aquele que me apresentou ao género. Mas seria uma série nipónica, Etrian Odyssey, aquela que definitivamente me faria apiaxonar por aventuras em masmorras na primeira pessoa, com a acção a desenrolar-se num aparente tempo real que é na realidade desenrolado por turnos.

O sucesso da série da Atlus viria a abrir as comportas para um conjunto de jogos criados por o crescente público otaku, e sem surpresas, um fenómeno viria a acontecer: a sexualização mecânica, e estética, de alguns destes jogos.

Possivelmente nenhuma empresa ficou tão famosa (ou tão infame) quanto o estúdio Compile Heart, cujo sucesso de algumas das suas marcas, especialmente Neptunia, os colocou na boca, e nas mãos, do mundo.

Se o adágio de que toda e qualquer tecnologia será eventualmente utilizada de forma sexual, então a Compile Heart é uma das maiores responsáveis por utilizar as características únicas da saudosa PS Vita levando-a para campos próximos da pornografia. 

Jogos em que as personagens, quase todas femininas, poderiam receber buffs para o combate se executássemos algumas tarefas manuais, que invariavelmente passavam por esfregar o ecrã frontal e o touchpad traseiro da PS Vita. Uma “invenção” mecânica de puro fan service que teve como apogeu de notoriedade o jogo Monster Monpiece (também da Compile Heart), e que passava por esfregar a Vita como se de masturbação se tratasse para obter cartas no jogo.

Como sabemos, os níveis de conservadorismo e aceitação de conteúdos dependem muito de território para território, e muitas das localizações dos jogos da Compile Heart para o Ocidente só foram possíveis com grandes doses de auto-censura, seja visual, seja mecânica.

Tokyo Clanpool foi um destes jogos lançados para a PS Vita exclusivamente no Japão em 2017, com adição de mecânicas físicas sexualizadas que nunca chegou ao Ocidente. Nunca, quer dizer, até há 1 mês, quando a eastasiasoft o lançou com muitas alterações para a Switch e para o GOG. A ausência do jogo no Steam tem sido motivo de muito debate, mas acredita-se que tenha sido a própria Valve a impedir o seu lançamento dado o historial mecânico do original. Não foi, aliás, o primeiro caso de jogos da Compile Heart impedidos de serem lançados na loja digital de Gabe Newell.

Não sendo uma magnum opus da escrita, Tokyo Clanpool passa-se num futuro onde a capital japonesa, Tóquio, foi engolida por uma torre misteriosa chamada Nebula, um ponto central de caos que trouxe com ela inimigos extraterrestres conhecidos como Oblivia. Para combater essa ameaça, o governo trouxe esquadrões de elite das suas forças armadas. Estou a brincar, sendo um jogo de fan service a decisão passou por juntar um grupo de raparigas com idade questionável e habilidades extraordinárias e com elas formar o Elemental Council.

Assumimos o papel de uma delas, curiosamente também a recém-eleita primeira-ministra do Japão, liderando a equipa em missões perigosas pelas profundezas da Nebula. Dada a situação do mundo actual, agrada-me que nestes mundos nipónicos de traços de anime a elegibilidade de governantes não passe por canalhas populistas, mas sim por pessoas que poderiam fazer parte da família da Sailor Moon, ainda que não acredito, por indícios do jogo, que tenham idade para serem eleitas. Diria que entre uns, e outros, a positividade inerente a magical girls é mais salutar. A narrativa, como se espera, combina o surreal com o futurista, trazendo-nos personagens com personalidades distintas, dramas e clichés típicos de JRPGs.

Com tantas semelhanças com jogos do género menos pejados de fan service como o genial Etrian Oddyssey, Tokyo Clanpool tem como elementos mais marcantes o sistema de Hacking e Ciber-Magia presente neste mundo. Durante as nossas incursões nas masmorras, podemos manipular sistemas eletrónicos para abrir portas, activar atalhos (como escavar túneis) e descobrir segredos. Para além disso, a utilização da chamada Ciber-Magia permite-nos ter acesso a ataques especiais e buffs que influenciam toda a nossa party.

Visto que a nossa protagonista e a sua equipa são membros do Governo (tenho que evitar pensar muito nisso para não escorregar da suspensão da descrença de forma agressiva), é importante termos em atenção a nossa taxa de aprovação por parte dos cidadãos do nosso País, visto que esta pode profundamente afectar a eficácia dos restantes personagens e levá-las até à demissão.

Outro ponto forte é o sistema de personalização, em que cada membro da nossa party possui funções definidas, mas é possível alterar as suas habilidades e classes (com o uso de diversas Digiskins), assim como equipamentos para maximizar a nossa eficácia em combate. 

Com a auto-censura mecânica desta nova versão, temos algumas opções sexualizadas que ainda aqui existem mas que ao serem seleccionadas, nos levam directamente para o buff que iríamos obter, parecendo um vestígio desnecessário neste jogo. 

Por outro lado, a postura estática dos inimigos (com um ligeiro efeito visual de idle), assim como das personagens a atacar, dificilmente o elevam visualmente acima de jogos mobile free to play, sem justificar de forma alguma os 45€ que custa no GOG são bem pagos.

Com os sacrifícios feitos para que este jogo passasse no crivo contemporâneo das plataformas, como a eliminação da componente sexualizada que o distinguia e apelava a um nicho de jogadores, Tokyo Clanpool passou a ser um jogo perfeitamente banal, e que ao final do dia nos lembra que existem muitos jogos de Etrian Oddyssey que não só são dos melhores blobbers que já joguei, como têm melhor história e aventura em poucos minutos do que Tokyo Clanpool em todo o jogo.