Na minha busca criteriosa por entrevistas, procuro sempre dar destaque a criadores de jogos que me despertem genuína curiosidade. Já tive a oportunidade de entrevistar alguns autores portugueses, mas faço um esforço para não limitar minhas escolhas ao que é produzido por aqui. Não quero com isto dizer que o que se faz lá fora é mais ou menos interessante do que o que se faz por cá; quero simplesmente valorizar os jogos pela sua qualidade, independentemente da sua origem.

Quando recebi um e-mail sobre Alentejo: Tinto’s Law, confesso que fiquei intrigado. Um jogo pensado para a Game Boy, feito num motor que simula o ambiente monocromático da portátil da Nintendo? Era algo que eu precisava explorar. A minha surpresa aumentou ao descobrir que o jogo seria lançado em cartuchos reais de Game Boy. Até onde sei, nunca tinha visto algo assim em Portugal. Se alguém já fez, não me recordo de nenhum jornalista especializado que tenha falado sobre o assunto.

Com isso em mente, decidi procurar a história por trás do jogo, porque, no fundo, acredito que toda produção de videojogos tem algo interessante a contar – basta saber procurar.

Quando Vasco Oliveira, cofundador da Loading Studios e level designer, fala sobre a sua jornada na criação de videojogos, destaca as dificuldades que superou para alcançar o que hoje considera uma paixão genuína. “A minha relação com os videojogos começou ainda em miúdo, com a minha PlayStation 2. Desde então, acompanharam-me sempre e cresceram comigo, embora, durante muito tempo, apenas como jogador.” Foi apenas no ensino secundário, durante o confinamento de 2020, devido à pandemia de covid-19, que Vasco decidiu aventurar-se nesta área, num momento em que a frustração com os estudos em Ciências o levou a procurar algo mais criativo. “Sempre fui uma pessoa criativa, mas sentia que não conseguia expressar esse meu lado ali. Foi nesse momento que tomei a decisão: na licenciatura, vou aventurar-me. Quero fazer jogos!”

Mas a decisão de seguir Game Design não veio sem receios. “Confesso que, no início, até segui este caminho com algum receio, porque na minha cabeça pensava que o mundo dos videojogos se resumia à programação. Felizmente, estava muito enganado.” Sem qualquer experiência prévia, Vasco entrou numa licenciatura em Game Design na ETIC (Escola de Tecnologias Inovação e Criação, em Lisboa), onde foi descobrindo as bases da área enquanto trabalhava em projetos criativos. “Agora olho para trás e fico meio perplexo ao perceber que eu me meti nesta área sem saber o básico sobre a criação de jogos. (…) até fico feliz, porque me fez descobrir, de forma genuína, uma paixão pelo game design desta forma de arte que eu nem sabia que tinha.” Após o curso, Vasco passou por estágios na FunCom e na Red Dagger, mas foi com a Loading Studios que decidiu mergulhar em projetos próprios, combinando criatividade, portugalidade e narrativa.

Do Bacalhau ao Western Alentejano

O primeiro grande sucesso da Loading Studios foi The Fisherman: A Codfish Tale, um jogo que venceu um prémio nos PlayStation Talents, em 2023, e que já explorava temas como a cultura portuguesa e histórias pouco habituais. “The Fisherman: A Codfish Tale foi um projecto académico desenvolvido na ETIC em 2022, mas já tinha muitas coisas que gostamos de abordar: a História portuguesa, a abordagem de estórias pouco usuais ou desconhecidas, a portugalidade, um game design centrado na narrativa e diálogos.”

A transição para Alentejo: Tinto’s Law aconteceu de forma natural, inspirada por uma conversa com Ivan Barroso sobre como seria se Portugal tivesse produzido jogos para o Game Boy nos anos noventa. “Falámos das nostálgicas séries Claxon, Major Alvega, e claro, Alentejo Sem Lei. Durante uns dias, continuamos a falar sobre isso, como seria interessante um jogo para Game Boy baseado no velho Oeste. Um western spaghetti, mas em Portugal. Claro que o Alentejo, devido à sua histórica paisagem árida seria o mais indicado em termos narrativos e locais.” Assim nasceu Alentejo: Tinto’s Law, um jogo que combina a ficção histórica com elementos do western, abordando temas como o contrabando, as minas abandonadas e, claro, o vinho tinto. “No nosso Alentejo, o Tinto é a lei, mas a lei é também estabelecida pelo tinto. Depois apostamos numa jogabilidade empolgante de combate e tiros, em que o primeiro a disparar tem sempre vantagem, além de também, termos puzzles de lógica e ação. Tal como em outros clássicos do Game Boy, há um mundo à superfície para explorar, assim como vários locais subterrâneos, onde se encontram upgrades e itens essenciais para progredir na narrativa western de Alentejo: Tinto’s Law.”

Superar Desafios Técnicos E Criativos

Criar um jogo para o Game Boy, uma plataforma com mais de três décadas, trouxe desafios significativos. Vasco reconhece que o maior obstáculo foi construir uma equipa sólida. “Como em qualquer trabalho criativo que seja colaborativo, o principal desafio é construir uma equipa. O Alentejo: Tinto’s Law não foi uma excepção. Felizmente, como estudámos numa Licenciatura de jogos, tínhamos vários contatos na área e isso facilitou imenso o processo.” A equipa formou-se com o meu entrevistado, Vasco Oliveira, “Daniel Penão assumiu-se como game developer e depois, fomos buscar a Marta Vaz para artista. Pouco tempo depois convidámos o Ivan Barroso para nos ajudar como project manager/game designer , e finalmente, o Martim Alves para a marketing art.

Outro desafio foi trabalhar com as limitações técnicas do Game Boy. “não podemos usar muitas cores, cada ecrã tem uma limitação de elementos, as animações tem de ser simples e os sons são mais chiptune do que orquestrais.” Vasco continua, onde se nota um claro entusiasmo e orgulho “Mas, nada disso desmotivou. Bem, pelo contrário, aceitamos que esta plataforma histórica e nostálgica podia ser ideal para um projeto western como Alentejo: Tinto’s Law.”

A equipa da Loading Studios recorreu ao motor de jogo GB Studio, que Vasco já conhecia de projetos académicos, e testou o jogo extensivamente com jogadores em eventos e sessões de teste. “Fizemos imensas sessões de testes, tivemos em eventos e recolhemos o feedback de quem jogou para que Alentejo: Tinto’s Law fosse uma experiência cativante.”

Um Cartucho Que Celebra O Passado 

Lançar Alentejo: Tinto’s Law num cartucho físico foi uma decisão arrojada, mas aconteceu graças a uma parceria que tornou isto possível. “Tivemos a sorte de a Teknamic Software do Filipe Veiga ter demonstrado interesse no Alentejo: Tinto’s Law e estabelecemos uma parceria para o lançamento físico em cartucho. Isso tem contribuído imenso para que o Alentejo: Tinto’s Law tenha recebido também mais atenção no mercado.”

A parceria com a Teknamic Software tornou este lançamento possível, com direito a caixa, manual e mapa do jogo. A recepção tem sido, no mínimo entusiástica como relata o level designer do jogo. “Já vimos até imensos posts e vídeos no TikTok e Instagram com milhares de visualizações e muitos pedidos nos comentários para saberem onde comprar este western Português chamado Alentejo: Tinto’s Law. Há certamente procura, que já se traduziu em algumas centenas de aquisições.”

O Futuro Da Loading Studios

O sucesso de Alentejo: Tinto’s Law já inspira novos projetos. “Por enquanto, a nossa prioridade é agora preparar a sequela (entramos há poucos dias na sua pré-produção).” Mas não é só, Vasco ainda me conta que já não falta muito para o lançamento da versão física de Alentejo: Tinto’s Law em cartucho, em parceria com a Teknamic Software. “Quanto ao futuro, temos planos para explorar outras séries nostálgicas e históricas”, conclui.

Quanto ao futuro, a equipa quer continuar a explorar a cultura e a História portuguesa em jogos. Vasco deixa um conselho para quem quer entrar na indústria: “A resiliência, o trabalho de equipa, e a criatividade são importantes para o positivo”, diz-me Vasco Oliveira, que ainda sublinha de tudo ter um ponto de partida, e que com cada projeto concluído, novas lições são assimiladas, o que tornará, idealmente, os próximos trabalhos ainda melhores. “Se há algo que aprendemos ao longo dos anos é que não há vergonha em começar por projectos pequenos. Cada um destes é mais uma lição aprendida, afinal, antes de se fazer o Witcher 3 é preciso primeiro fazer o Witcher 1! .”

Com Alentejo: Tinto’s Law, a Loading Studios conseguiu algo raro: transformar limitações técnicas e desafios criativos numa experiência única, celebrando a portugalidade com humor e nostalgia. E, ao que tudo indica, o velho oeste alentejano ainda tem muito por explorar. O jogo, Alentejo: Tinto’s Law, pode ser adquirido no itch.io por 1,99 dólares ou pode ser feita a pré-reserva do jogo físico no site da Teknamic Software  por 19,99 euros.