por Paulo M. Dias

“Estou cheio de fome!” Este grito de guerra de Henry de Skalitz resume quase perfeitamente aquilo que muitos fãs de Kingdom Come: Deliverance sentiram ao longo dos últimos anos, enquanto aguardavam avidamente uma sequela para as aventuras deste esfomeado protagonista na Boémia medieval, iniciadas precisamente em Fevereiro de 2018. Finalmente, volvidos sete anos, em Fevereiro de 2025, a colaboração entre os Warhorse Studios e a Deep Silver providenciou-nos com mais um banquete digno de qualquer paço régio ou senhorial: o Kingdom Come: Deliverance II. Agora cabe-me a mim, enquanto historiador, jogador e fã da saga, dar conta das minhas experiências pessoais ao longo de mais de 60 horas de jogo – a grande maioria das quais em streams no Twitch. E claro, cumpre-me também agradecer ao Rubber Chicken, aos Warhorse Studios e à Deep Silver por me terem gentilmente cedido uma cópia desde jogo com alguma antecedência, o que me permitiu embarcar na cápsula do tempo e regressar ao século XV para prosseguir as aventuras do nosso Henry de Skalitz.

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Kingdom Come: Deliverance II é, como esperado, um jogo de action role-playing, durante o qual controlamos, em diferentes momentos da história principal, dois personagens distintos: Henry de Skalitz, o protagonista original, e… um outro personagem, bem conhecido de quem experimentou o primeiro jogo. E mais não digo, porque não quero estragar a história a quem ainda vai jogar, por isso, nada temam, aqui não há spoilers! O que mais importa reter é que, não obstante as experiências de Henry no primeiro jogo, ele continua a ser maleável ao ponto de o podermos converter naquilo que bem entendermos, consoante o nosso estilo de jogo. E existe até uma razão canónica para assim ser, mas, uma vez mais, não faço spoilers. No fundo, o Henry é aquilo que dele fizermos. Pode ser um hábil ladrão ou um assassino de punhal na mão, um mercador endinheirado ou um diplomata bem-sucedido. Pode até ser um bocadinho de tudo, para quem gosta de ir experimentando o jogo. Quanto a mim, confesso que sou pouco dado a subtilezas, por isso o meu Henry costuma estar armado com espada ou martelo  de guerra e equipado com um arnês completo. No essencial, é um punho de aço destinado a resolver todas as situações a bem… ou a mal.

O jogo dá-nos liberdade suficiente para isso mesmo, já que muitas situações podem ser resolvidas de diferentes formas. Nem sempre é preciso esmagar os inimigos à martelada, por vezes é possível convencê-los ou até a suborná-los. Se bem que, e fica desde já feito o aviso, este não é o jogo mais propício a pacifistas. Nem seria bem de esperar outra coisa na Boémia – parte daquilo que é hoje a Chéquia ou República Checa – de inícios do século XV, a braços com uma invasão por parte da Hungria e uma guerra-civil pelo controlo do trono. Por isso vale a pena aprimorar desde cedo as capacidades de combate, sejam elas quais forem, porque também aqui há versatilidade. O nosso Henry pode tornar-se mestre em todo o género de armas, desde espadas, martelos e machados até armas de haste como lanças ou alabardas, que agora, contrariamente ao primeiro jogo, podem ser usadas, compradas e guardadas sem grandes problemas. E sem esquecer o tradicional arco ou ainda duas novidades absolutas: a besta e as primitivas armas de fogo. Se a besta é, no século XV, uma arma tão conhecida quanto mortífera – tendo o seu uso sido proibido, sem grandes resultados práticos, pelo Papado – as armas de fogo são tão recentes quanto difíceis de utilizar. Atingir seja o que for com uma destas armas não é de todo fácil, mas é recompensador: como na realidade, nem o melhor arnês é capaz de resistir a um disparo à queima-roupa.

E o facto é que estas armas vão ter sempre grande protagonismo ao longo do jogo, tanto na história principal como nas inevitáveis missões secundárias. Aliás, o nosso Henry de Skalitz acabará por ver-se envolvido em acontecimentos militares de grande envergadura, desde cercos a emboscadas, momentos que são não só extraordinariamente divertidos de jogar, como também, pelo seu realismo, deixam este historiador militar muito feliz. E como não, quando temos dezenas de soldados a tentar tomar um castelo de assalto, ou trabucos e canhões a demolir os seus muros? Mas, como o nosso protagonista descobre muito rapidamente, a guerra tem os seus quês, e por isso, ao longo da história, Henry irá caminhar na fina linha entre a vingança e a redenção. O caminho que escolhe, e as consequências associadas, fica inteiramente a cargo do jogador. Uma escolha que nem sempre é fácil quando estamos a meio de uma guerra entre os apoiantes do rei Venceslau IV da Boémia e de Segismundo I da Hungria.

Kingdom Come: Deliverance II está muito longe de ser apenas uma cópia, ainda que com melhores gráficos, do primeiro jogo. No geral, tem funcionalidades que o tornam mais amigo do jogador, desde a possibilidade para o nosso cavalo seguir estradas automaticamente, até à simplificação do sistema de combate, tornando-o mais orgânico, e sem esquecer a possibilidade de o nosso protagonista ter três outfits preparados. Por exemplo, no meu caso, o Henry dispõe de uma build com a melhor armadura, uma com a sua melhor roupinha – para melhorar certas estatísticas como carisma – e uma terceira com roupa escura, mais adequada a momentos em que o mais importante é não ser visto nem ouvido.

O próprio mapa foi expandido, estando agora dividido em dois, sendo necessário progredir na história principal para poder viajar entre ambos. A cidade de Kuttenberg é tudo aquilo que Rattay, no primeiro jogo, não podia ser devido a limitações várias: enorme, povoada de NPCs e cheia de elementos a descobrir. A cidade está verdadeiramente viva, desde a senhora sentada a depenar uma galinha até aos fulanos que abordam o nosso protagonista para tentar extorquir dinheiro ou convencê-lo a juntar-se a este ou aquele grupo. E a propósito, os encontros aleatórios nas estradas da Boémia foram melhorados e já não são tão repetitivos. É mesmo possível encontrar a mesma personagem várias vezes e, dependendo do resultado de encontros anteriores, isso pode ter consequências ou negativas. Desde dar dinheiro a um nobre recém-escapado do cativeiro até beber à saúde de um recém-nascido, todas as escolhas têm, de uma forma ou outra, o seu desfecho. Mas claro, a escolha, seja ela qual for, está sempre dependente do jogador. Esse facto, ligado a uma verosimilhança histórica muito assinalável – que já era notável no primeiro jogo – torna Kingdom Come: Deliverance II o jogo ideal para aqueles que gostam de uma combinação quase perfeita entre realismo histórico e a diversão. E por isso, resta-me desejar que todos experimentem esta nova aventura, aproveitando para citar o famigerado Álvaro Vaz e Almada, conde de Abranches, por ocasião da batalha de Alfarrobeira: É fartar, vilanagem!