Diria que dadas as circunstâncias actuais de Portugal e do Mundo, e nunca foi tão premente ter diversos media a abraçarem profundamente uma relevância política, permitindo que as suas narrativas façam o público pensar, de alguma forma.
Por vezes vemos essa carga política em jogos que nem esperaríamos encontrar, e essa foi exactamente a minha surpresa quando o Leonel me falou da série Trails (Kisei no original japonês), uma sub-série do universo The Legends of Heroes, criada pela Nihon Falcon.
Em Daybreak fomos apresentados à República de Calvard, um país em rápida modernização após um período de turbulência política que é o palco da série. O protagonista, Van Arkride, é um Spriggan, uma espécie de detective mercenário que opera nas sombras da sociedade, um trabalho que o vai colocar em rota de colisão com a organização criminosa Almata, que deseja desestabilizar a nação para alcançar os seus próprios objectivos.
O que podem sentir aqui com esta descrição é apenas a ponta do véu que me surpreendeu quando contactei com Trails pela primeira vez, e algo que existe neste arco intitulado Daybreak: a presença de temas de corrupção, identidade e as consequências do progresso desenfreado.
Trails through Daybreak II retoma a narrativa um ano após os eventos do primeiro jogo, já com a queda de Almata, e com Calvard a desfrutar de uma paz temporária. Mas essa tranquilidade, como disse, era temporária, e é subitamente abalada quando uma unidade especial do Departamento Central de Inteligência é encontrada massacrada na capital, Edith. Este massacre desencadeia uma série de eventos que envolvem diversas facções de Calvard, desde a polícia local até guildas de bracers e outras organizações subterrâneas.
Van Arkride e os seus companheiros assumem como missão a investigação do misterioso e sangrento massacre, conduzindo-os a áreas sombrias de Edith onde descobrem tecnologias avançadas e experiências pouco éticas que desafiam a compreensão comum.
Já que a tónica de Trails se alicerça em temas políticos, a narrativa aprofunda-se em volta de conspirações governamentais, conflitos entre facções e a luta pelo poder numa sociedade em rápida transformação, e onde o abismo de classe se vai aprofundando. E, do lado de cá do ecrã, testemunhamos o desenvolvimento dos personagens principais enquanto enfrentam dilemas morais e desafios pessoais que vão abalar os seus próprios posicionamentos políticos
Tudo isto numa teia intrincada de intriga política, mantendo a tradição da série em oferecer-nos enredos profundos.
Se para mim (e acredito que para milhares à volta do mundo) o ponto alto de qualquer jogo Trials é o seu abraço profundo a temas políticos com a sua história, mas há que fazer jus ao sistema de combate, e a forma exímia como ele mantém uma grande qualidade na mistura entre acção em tempo real e batalhas por turnos, uma característica introduzida no título anterior.
Mas é este sistema que é de alguma forma expandido com novas mecânicas, como Quick Arts, Cross Charge e EX-Skills, que por sua vez adicionam profundidade às batalhas, permitindo-nos estratégias diferentes interligadas com o nosso estilo pessoal de jogo.
Somemos a isso o conjunto de mini-jogos que enriquecem este mundo, como a pesca (uma actividade que procuro em todos os jogos), o jogo de cartas Seven Hearts ou o basquetebol, permitindo-nos distracções in-game que quase suavizam o tom mais sério do enredo.
A direcção de arte é coesa e está no patamar elevado de qualidade da excelente abordagem à la anime que as produções da Nihon Falcom e a NIS America nos trazem, sem nunca desiludir, e que nos mantêm visualmente interessados ao longo das largas dezenas de horas que o jogo possui.
The Legend of Heroes: Trails through Daybreak II é mais um degrau sólido de uma série que nunca desilude, e que não só oferece uma experiência familiar para os fãs da série, como sinto ser capaz de permitir que alguns jogadores o tomem como uma porta de entrada para um universo que está a chegar às 14 iterações. Mas que conta, para surpresa de quem aqui chegar pela primeira vez, com um tom diferente de muitos JRPGs: a história tem uma carga política e social como penso nenhuma outra série nipónica possuir.