Há vários dias que adio a escrita desta análise e sei bem a razão pela qual o faço. Já que há muito que não olhava para duas páginas de notas com uma panorâmica tão negra como em Leila, e para ainda me sentir pior, era suposto gostar dele…
Leila é uma mistura de jogo de puzzles com a grande maioria dos seus elementos a serem de point and click.
Como seria de esperar num jogo do género, o enfoque seria nos puzzles, tradicionalmente muito complexos e com sectores com pouca lógica aparente e, segurem-se, falarei disso mais para a frente, a servir de interface para uma história capaz de agarrar o jogador, frequentemente algo simbólico ou marcante, com capacidade de ficar gravado na memória por anos a fio, tornando-se algumas vezes uma referência, transformando-se na bitola para outros jogos.
Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Quando José Marti cunhou esta frase e a tornou indissociável a algo que todos deveriam fazer durante a vida, seguramente não esperava que tanta gente fizesse batota na parte do livro, seja com o uso de escritores fantasma, com emprego de um escritor para “ajudar” a escrever memórias, ou mesmo chamando de livro uma compilação de textos ou artigos. Muitas vezes digo que nunca escreveria as minhas memórias porque não tenho nada de interessante para contar. Ora, o Ubik Studios conseguiu isso mesmo com Leila, contando neste jogo uma vida completamente desinteressante e banal que, seguramente, apenas me manteve porque é uma história extremamente curta, muito provavelmente por saberem isso mesmo, já que Leila não tem nada para contar, sendo uma pessoa como qualquer um de nós, a passar pela vida de forma tão relevante como um descascador de bananas.
Num jogo destes perdoaria muitos problemas, e admito que agora todos os outros me parecem picuinhices, mas um jogo em que precisamos de uma boa âncora para nos segurar, acabamos aqui com o equivalente a um bico de Bunsen para segurar um contratorpedeiro…
Mas adiante, falemos agora de coisas bem melhores, e não, não é a Laurinda a fazer vestidos por medida. Graficamente é um jogo lindo, parecendo tudo desenhado à mão, com animações cinematográficas que, embora estejam muito longe do stop motion, usam as diferentes velocidades para dar ênfase ao sentimento que tentam transmitir, algo que combina muito bem com a escolha musical, e quando digo musical excluo os efeitos sonoros, que são muito artificiais, mesmo quando tentam ser realistas, mas as poucas músicas são excelentes e bastante bem colocadas. Estes componentes conjugados conseguem tornar ligeiramente mais emocional o que a história não consegue.
Agora sim paro um pouco para falar dos puzzles que, de uma forma geral, não são propriamente difíceis de resolver, sofrem de um problema de contextualização, e sempre que embirrei com algum deles, e isso praticamente não aconteceu, foi por tecnicalidades, por exemplo, o jogo por vezes dá-nos folga para clicarmos um pouco fora do lugar, outras vezes tem que ser exactamente no momento e local certo, umas vezes regista imediatamente o nosso clique e noutras leva algum tempo. Essa assimetria, ou melhor, essa inconstância levou a que assumisse opções certas como erradas.
Mesmo assim todos os puzzles são criativos e bastante adequados à situação, não existindo o facilitismo de simplesmente atirar um puzzle genérico ao jogador e nem tentar encaixar com o que está a acontecer. Aqui houve imenso cuidado na adequação da mensagem ao que acontece no ecrã. Tiro-lhes o chapéu.
Algo engraçado e que considero muito bem introduzido é que Leila, a personagem principal deste enredo, está a reviver a sua vida ao jogar um jogo que permite expressar e partilhar as suas emoções. Conforme vai revivendo as suas memórias não gosta que não a ouçamos, e fica com mau feitio se insistirmos em continuar a resolver um puzzle sem a ouvirmos. Amua e cala-se, não dizendo mais nada até acabarmos a secção.
Por muito giro que isso seja, apenas reparei nessa peculiaridade porque o jogo me apagou um save quando saí a meio de um puzzle, algo muito fácil de acontecer pois alguns deles são granditos. Como tive de recomeçar de início já sabia o que tinha de fazer e corri pelos níveis reparando nisso.
Esse sistema de salvar a progressão, que para além de me ter apagado um jogo por completo, inclusive rolando créditos, não é muito intuitivo, e só não desisti do jogo porque foi mesmo curtíssimo, sendo que em dois penachos me apagou um save e ainda me fez repetir o 40puzzle mais longo do jogo porque simplesmente decidiu que tinha de voltar atrás. Talvez se tivesse repetido a gracinha tivesse sido a gota de água. É-me, no entanto, difícil qualificar este problema já que jogando em versões de teste antes do seu lançamento não sabemos quais os problemas que já estarão corrigidos, mas este espero que corrijam.
Não esperava dizer isto, mas tenho que admitir que passei mais tempo do que devia a jogar a versão de Minesweeper que aparece aqui como minijogo. De certa forma é um bocado triste já que raramente toco num minijogo, mesmo aqueles que toda a gente fala eu simplesmente ignoro porque nunca tenho grande motivação para os jogar, e aqui passei imenso tempo de volta daquilo.
Acrescento, mesmo numa notinha de rodapé, que após concluir a história não vejo qualquer motivo para voltar a jogar. Se o replay value não for nulo, não andará muito longe disso.
Aproximo-me a passos largos do fim deste texto e creio ter ficado claro que não gostei de Leila e associo esse desgosto a uma história pobre ou, se preferirem, sem nada para recordar. Só esse motivo seria o suficiente para não o recomendar, mas inda posso acrescentar os problemas que tive com o processo automático de salvar a progressão, problemas que infelizmente ofuscam a beleza gráfica, a óptima escolha musical e o cuidado na adequação dos puzzles, e mesmo nesta fase não sabendo o preço a que vai lançado, provavelmente nem que fosse muito baixo me faria recomendar a sua compra.