Quando me perguntam se quero jogar um jogo que faz lembrar Hotline Miami tenho imediatamente o reflexo pavloviano de dizer que sim. Não me interessa se é curto ou longo, bonito ou feio, ou mesmo se vou gostar. Se não gostar paro, se gostar tudo o resto interessa muito pouco. Gostei de Sonokuni, o que interessa o resto?

A minha introdução pode levar a crer que Sonokuni é apenas um conjunto de mecânicas que imitam o género de Hotline Miami e pouco mais, mas isso é extremamente redutor, até porque onde este brilha é exactamente nas componentes não mecânicas, como o grafismo e a trilha sonora.

Começo pela trilha sonora porque é das melhores que alguma vez ouvi. Não vale a pena continuarem a ler se apenas pretendem saber se recomendo o jogo, porque apenas por este motivo já vale cada cêntimo, e ainda aconselho, caso gostem de o fazer, a dar mais uns troquitos e comprarem a versão do jogo que inclui a banda sonora criada essencialmente por Don Sagawa e Ruichiro, que essencialmente é hip hop mas com vários estilos, algumas com cruzamento maior com música eletrónica, outras com rock, outras rap mais clássico, mudando as músicas com a mesma frequência que Tetris Effect. Esta primeira impressão sobrepõe-se inclusivamente à qualidade gráfica, e isto ainda é mais surpreendente porque todo o grafismo é bastante bom.

Quão bom é então o desenho gráfico? Bastante! E também é original. Pixel art propositadamente “esborratado”, lembrando alguém numa trip de ácidos a experienciar um ambiente cyberpunk surreal, onde pontificam os fluorescentes e as cores mais garridas. Isto, embora apele muito à vista, provoca alguma confusão visual, mais pronunciada nuns níveis do que noutros, que leva frequentemente a não percebermos o que é cenário ou caminho, porta ou parede, interferindo invariavelmente na nossa progressão no nível.

O jogo tem uma história a que foi dado demasiado protagonismo, não por ser má, porque não o é, mas porque para a qualidade que tem, provavelmente nos ocupa mais de metade do tempo em diálogo que nos atira constantemente para as mesmas ideias. Wonokuni, a tribo numérica e tecnologicamente mais avançada pretende assimilar todas as outras tribos, e criar uma tribo homogénea, colectivamente indiferenciada. Sonokuni, a tribo mais pequena e claramente menos evoluída, vive na díade de assumir essa assimilação ou manter a sua identidade pessoal e cultural. Takeru, a nossa personagem, é uma caçadora que vive assolada por duas entidades divinas que lhe permitem voltar atrás no tempo e tomar novas decisões. A história “avança” entre os níveis onde vamos dialogando com estes deuses e com personagens de ambas as tribos. É uma história sempre muito… in your face, insistindo numa escolha que, lamento, nunca nos dá. Provavelmente o caso seria outro se essa escolha existisse mesmo.

 Em termos de jogabilidade, o jogo joga-se na vista top-down e temos acesso a três acções. O ataque, o escudo e a capacidade de induzirmos o bullet-time que nos facilita a escolha das acções e movimentos. Estes jogos são sempre baseados na repetição de acções e Sonokuni não é excepção. Com uma gravação automática muito generosa, tempos de pausa praticamente inexistentes, e algumas dicas sobre o erro que levo à nossa morte, Sonokuni incentiva a progressão sem nunca nos aborrecer. Embora com controlos que poderiam ser mais precisos, é sempre um jogo justo, onde os ataques dos nossos inimigos são telegrafados e claramente visíveis sendo, como já mencionei, a nossa maior inimiga a confusão visual existente no ecrã, que por vezes nos leva contra uma parede ou nos confunde na escolha dos caminhos. Talvez por isso exista um indicador visual que nos diz para onde ir cada vez que superamos um magote de adversários existentes numa sala.

Com o avançar do jogo percebemos que o caminho a seguir não nos faz passar por todas as salas, levando a crer que pode existir um incentivo à exploração, mas este não existe. Não ganhamos nada em ir a todas as salas. Não há prémio, não há experiência a ganhar, não há árvore de habilidades, e não há nenhum problema nisso. Simplesmente avançamos sem encher chouriços.

O jogo tem três níveis de dificuldade. Depois de acabarmos desbloqueamos a dificuldade Hotline, cuja referência não sei onde terão ido buscar, e o modo Speedrun. Em termos de replay value é o que existe e pode ser adicionado às menos de 4 horas que levei a terminar a história.

Sonokuni sabe bem quais os seus pontos fortes e focou-se muito neles. Muitíssimo apelativo, quer à vista, quer à audição, soube acompanhar essas vertentes com uma jogabilidade agradável e uma história boa o suficiente para explicar o que acontece no ecrã e unir várias pontas nem sempre fáceis de conciliar. Todo este pacote a um preço perfeitamente aceitável torna este jogo uma recomendação fácil para quem gosta do género.