Gosto muito de boas histórias, tenham elas qualquer origem. Essa é uma das razões pelas quais sou um fã de aventuras point ‘n click já que foram elas que a mim me mostraram, ainda em miúdo, que os videojogos também podiam ser outra coisa que não apenas algo mais directo em termos de mecânicas.
É esta a razão pela qual viria também a apaixonar-me por visual novels, quando me cruzei com Phoenix Wright e companhia pela primeira vez. Mas se esse género ficou durante muito encerrado na realidade insular do Japão, tem sido interessante ver estúdios indie ocidentais a darem outra voz a essa linguagem muito especifica com o qual as visual novels contam histórias.
Um desses casos é o estúdio inkle (que já foi finalista do Indie X com o jogo Heaven’s Vault), e a forma como criou uma abordagem muito interessante às visual novels ocidentais com Overboard!. Neste Reverse Detective Game em tempo real viramos o género de investigação e whodunnit de pernas para o ar, já que não andamos à procura de pistas para descobrir “quem fez o quê”, pois já sabemos o que aconteceu. Expelled! Surge 4 anos depois do jogo anterior, com um setting diferente, mas com uma premissa similar.
Ambos os jogos transformam-se em quebra-cabeças morais e estratégicos. Rapidamente percebemos em Expelled! que temos de manipular eventos, usar o conhecimento adquirido em runs anteriores e influenciar personagens para sobreviver ao julgamento da escola. E ao longo de múltplas runs – quase ao estilo roguelike – em que trazemos sempre algo das runs anteriores para a meta-progressão, sentimos que esta forma de contar histórias é brilhante.
Se no primeiro jogo da “série” tentamos evitar ser acusados de um assassinato, desta vez somos Verity Amersham, uma aluna acusada de um crime que não cometeu, numa escola elitista de raparigas nos anos 1920. O objectivo é claro: não ser expulsa.
Algo interessante na forma como tudo decorre em Expelled! é que os personagens não ficam à espera que tomemos decisões: vivem as suas vidas em tempo real, interagem entre si, movem-se pelos corredores e tomam decisões que podem destruir (ou salvar) os nossos planos. Este pequeno grande detalhe transforma cada run num cenário dinâmico, onde a necessidade de controlar todas as peças do tabuleiro nunca desaparece.
Expelled! introduz também ferramentas que fazem toda a diferença para a rejogabilidade: nomeadamente fast forward e rewind. Estas adições não só evitam a frustração típica de repetir longas sequências, como nos incentivam a experimentar novos caminhos e outras respostas. Cada tentativa falhada é, na verdade, uma aprendizagem: temos acesso a novos ramos de diálogo, pistas contextuais e escolhas distintas surgem à medida que acumulamos conhecimento das runs anteriores. Expelled! recompensa-nos pela curiosidade e a ousadia, e no caso de Verity, a afronta e as respostas de “menina mal-comportada” para os padrões da época, e o quão divertido é escolhermos opções menos positivas nas árvores de diálogo.
Para além de Verity, um dos maiores trunfos do jogo é seu o elenco de personagens: cada rapariga na escola tem motivações complexas, relações entrelaçadas e segredos por revelar, assim como o staff que nos acompanha no Colégio. As conversas não são apenas pistas para o puzzle: são janelas para um mundo denso com crítica social subtil porém poderosa sobre classe, privilégio e género. A escrita é acutilante, cínica quanto baste mas com uma grande camada que muitas vezes nos surpreende.
Expelled! é uma brilhante forma de contar uma história, e um jogo que nos impele a conhecer todas as pequenas histórias secundárias e complexidades de cada uma das personagens com quem nos relacionamos. Com uma estrutura brilhantemente desenhada e personagens que são mais do que estereótipos presentes em histórias similares, não se limitando a repetir a fórmula de Overboard!, mas expandindo-a e dotando-nos de maior liberdade, mais agência e mais profundidade narrativa.
Expelled! é uma teia de mistério onde cada escolha importa e cada segundo conta, numa das melhores peças narrativas interactivas que já joguei.