
“Horrível Decisão, seu escritor incompetente?! Anda cá, levas dois bananos e vês logo o que é ser horrível!”
Donkey Kong Country Returns HD é um exercício raro em equilíbrio. Um jogo em que cada salto, cada timing, cada banana apanhada nos dá a sensação de estar a afinar um instrumento, como se estivéssemos constantemente a aprender a tocar melhor uma música já escrita. E a composição é exigente. Este é um jogo que, ao contrário do que o nome possa sugerir, não tem pressa em agradar nem se curva à pressão de facilitar. Está mais bonito, é verdade — mas não mais simpático.
A beleza do seu design está no rigor. Os níveis não são apenas obstáculos: são coreografias. Tudo tem intenção. Os inimigos, os abismos, as plataformas móveis, as armadilhas, os interruptores – tudo está desenhado para nos puxar para um certo fluxo. Quando esse fluxo acontece, quando sentimos que estamos a correr do início ao fim de um nível quase sem parar, como se cada botão carregado tivesse sido antecipado por quem desenhou o jogo, há uma sensação rara de domínio. Como se Donkey e Diddy nos tivessem emprestado o seu instinto simiesco por uns minutos.

“E diz este que sabe escrever? Deixa-me rir… Não é assim que se escreve Kong seu analfabeto! Volta à primária para aprender a escrever!”
Mas não é sempre assim. Há níveis que quebram o ritmo. Não por falhas de design, mas por exigência deliberada. O jogo pede repetição, memorização, resiliência. Há ali um espírito arcade, de tentativa e erro, de morrer para aprender. E o mais importante: nunca sentimos que morremos por culpa do jogo. Quando falhei, e falhei muitas vezes (até admito, provavelmente às centenas), sabia sempre que tinha sido por causa do meu cansaço, da minha falta de reflexos, ou de não ter interpretado bem os sinais visuais. Essa clareza é um mérito gigante. Donkey Kong Country Returns HD é frustrante, mas é justo. E por isso é que voltamos sempre mais uma vez.
É também um dos melhores exemplos de um collectathon bem feito. As bananas estão por todo o lado, claro — seria estranho se não estivessem — mas o verdadeiro prazer está em encontrar as peças de puzzle, as letras K, O, N e G e os minijogos secretos. E aqui o jogo é generoso sem ser óbvio. Muitas vezes não basta olhar: é preciso experimentar. Apanhar todas as bananas de uma fileira pode revelar um segredo, derrotar certos inimigos pode abrir passagens, e há momentos em que simplesmente temos de confiar no nosso instinto e saltar para o invisível. A recompensa? Não é só a peça de puzzle. É a sensação de descoberta. De termos lido bem o nível, de termos pensado como o designer. E isso, num jogo que podia viver apenas de reflexos, é um prazer raro.

São tão bons os níveis onde se parte tudo é todos com o rinoceronte, mas tenham cuidado, o desafio também está lá.
Visualmente, o trabalho feito nesta versão HD é mais do que uma camada de verniz. A clareza visual é talvez a maior conquista gráfica aqui. Os fundos continuam detalhados e cheios de personalidade, mas o que interessa — plataformas, inimigos, objetos interativos — está mais limpo, mais nítido, mais legível. Num jogo onde a morte pode vir de um só passo em falso, esta clareza é tudo. Cada cor tem propósito, cada forma serve uma função. E mesmo com toda esta funcionalidade, há espaço para exuberância. O jogo continua a ser um colosso visual de selvas, praias, fábricas e montanhas — cada ambiente com personalidade própria, ritmos próprios e ideias novas.
Alguns níveis optam por mecânicas mais ousadas, como os segmentos em foguetes ou carrinhos de mina — herdeiros espirituais daquele espírito Flappy Bird, onde um toque errado significa falhar tudo. São, de longe, os momentos mais frustrantes. Mas também os mais recompensadores. Porque quando finalmente acertamos o ritmo, quando passamos por entre colunas de fogo ou evitamos uma sequência de explosões com um único coração de vida, o alívio transforma-se em vitória. Estes níveis não são injustos — são brutais. E por isso mesmo, memoráveis.
É por isso que custa aceitar a presença do modo moderno. Distorce a experiência. Não por mudar o conteúdo, mas por diluí-lo. Mais corações, mais itens, mais ajudas, menos tensão. Para muitos, isto será uma benção — um acesso facilitado a um jogo exigente. Mas para quem aprecia o jogo como ele foi concebido, o modo moderno é um ruído. Uma tentativa de suavizar o que devia manter-se áspero. Donkey Kong não precisa de almofadas. Precisa de espaço para ser o que é: um teste honesto à habilidade, à leitura visual e ao nervo do jogador. Agora que vão avisados é só escolherem Classic Mode e está tudo bem.
Para questões de transparência: há também um modo multijogador cooperativo para duas pessoas. No entanto, não pude experimentá-lo por não ter com quem jogar para efeitos de crítica.

Festejar uma descoberta, um novo minijogo, porque Donkey Kong Country Returns é exímio a fazê-lo.
Esta reedição é importante por vários motivos. Um deles é devolver um clássico da era Wii a uma nova geração de jogadores — muitos deles provavelmente nunca jogaram esta versão, só conhecem o Tropical Freeze, ou nem isso. Outro é preparar o palco para Bananza, já anunciado para a próxima consola da Nintendo. E outro ainda, talvez o mais simbólico, é lembrar-nos do que a Nintendo era capaz de fazer quando apostava num jogo difícil, exigente e simultaneamente acessível por mérito de design — não por facilitismo.
Donkey Kong Country Returns HD não é só um regresso. É uma lição. Uma lição de ritmo, de precisão, de recompensa. Uma lição de que um bom jogo não precisa de desculpas para ser difícil. Precisa apenas de ser justo. E aqui, justiça nunca faltou.