Kaya’s Prophecy é uma mistura de dois géneros, um deles explorado de forma bastante convencional, já o outro fazia-me lembrar qualquer coisa, e estive horas até perceber o que era. Foi nesse momento que o jogo perdeu alguma da sua magia. Não devia ser assim, mas foi, porque deixei de o ver como um prodígio de criatividade, para apenas um jogo bastante bom.
Kaya’s Prophecy mistura uma componente de deck builder com outra de city builder. É para encontrar e experienciar estas misturas que adoro o mundo indie, e cada vez mais percebo que todas as misturas são possíveis se alguém lhes der o ângulo certo.
Ambas as componentes têm momentos distintos, como se fossem dois jogos dentro do mesmo, e logo no tutorial percebemos que o momento de deck builder não tem nada de propriamente diferente do habitual. É esse também o momento de luta, onde vamos sacando aleatoriamente cartas do nosso baralho e as podemos usar no combate com o inimigo tudo isto numa batalha por turnos. Para ajudar sabemos de antemão as acções que este vai usar, o que nos ajuda muito a planear. Até aqui tudo normal. Ainda há pouco tempo joguei Roots of Iggdrasil que usava a componente de construção e baralhos de forma bem mais criativa, mas o que interessa mesmo é o resultado final.
Há alguma, mas não muita interligação com a componente de city builder. Ora, após o tutorial acabamos a libertar um demónio que destrói a nossa aldeia e nos força a trabalhar com ele para a reconstruir e subjugar todas as outras. Foi aqui que passei a maioria do meu tempo, não só porque o jogo assim nos obriga, mas porque a criatividade com que o momento foi desenhado o tornou muito criativo e desafiante, ou isso pensava eu.
Já mencionei no início que algo me pareceu sempre estranhamente familiar com Kaya’s Prophecy, mas durante muito tempo não percebi bem o quê. Convenci-me que era a luta ao estilo de Slay the Spire, mas isso é agora tão natural que não fazia sentido ser isso, até que me bateu. Há uns anos vi um trailer que me despertou muita curiosidade e depois fui espreitar algum gameplay de um pequeno jogo indie sugerido pelo Querido Líder que na altura pesquisei chamado Stacklands, e todas as mecânicas de city building assentam nessas mesmas, embora de uma forma que me pareça um pouco mais simples, e com um aspecto visual diferente, aqui muito mais parecido com desenho animado, mas no fundo é o mesmo jogo.
Construir o nosso vilarejo não é um processo simples, já que necessita de planeamento cuidadoso e muito trabalho. O nosso demónio exige tributo. No final de cada dia temos que o alimentar, para tal temos que encontrar comida. A par disso temos que construir outras estruturas ou acessórios que precisamos. Todos os passos carecem de tempo, algo que poderia ser minorado com mais habitantes, mas quantos mais habitantes temos mais comida o nosso demónio exige no final de cada dia, o que nos deixa sempre na dúvida sobre o que fazer. A carta altura dá jeito ter mais que um cidadão, mas isso implica muita comida, algo que só começa a ficar disponível após muitas evoluções. No final de cada dia, e após alimentarmos o demónio, este dá-nos a escolher uma entre duas cartas, algo que nos vai ajudando. Não bastando esse facto, quanto mais cartas temos no tabuleiro, mais comida temos de dar, o que muitas vezes nos dá o exercício de decidir quais as cartas que podemos destruir. Esta destruição não é propriamente negativa, pois dá-nos acesso a cartas de energia que posteriormente podemos trocar por packs de novas cartas, sendo que o pack mais simples, caso nos vejamos enrascados, dá sempre lucro de comprar nem que apenas para depois destruir. Se não o conseguirmos alimentar ele castiga-nos destruindo cartas. Podemos falhar 3 vezes, não sei o que acontece quando falhamos a quarta, mas não me parece que seja algo agradável.
Melhoramos interagindo directamente com as cartas. Vamos empilhando umas nas outras consoante as receitas que descobrimos para produzirmos o resultado dessa fusão. Cada interecção tem um tempo e os dias ficam muito curtos para tudo o que temos de fazer de forma muito rápida. A nossa evolução dá-nos acesso a muito mais opções, uma das quais fundamental para que avancemos na história: um shaman que nos deixa ter acesso a novos níveis, sendo que cada vez que vamos a esse nível, o acesso torna-se mais caro.
É nessa componente de exploração que acontecem as lutas, mas também onde temos acesso a alguns power ups e onde vamos percebendo alguns dos relacionamentos, mesmo que de forma muito simplista, com o “nosso” demónio. As interacções e puzzles são sempre iguais, algo que me decepcionou inicialmente, mas que depois percebi que dá jeito saber que respostas dar sem correr o risco da coisa correr mal. Depois de toda a exploração e luta voltamos à aldeia e é também aí que depois nos podemos curar e usar alguns dos itens que encontrámos.
Os nossos personagens podem ter até 3 peças de equipamento, sendo que cada uma delas dá acesso a mais cartas que depois ficam disponíveis durante as lutas, desde que tenhamos esse equipamento colocado. Há uma quantidade curta de novas cartas que encontramos, mas não as podemos simplesmente juntar ao nosso baralho, temos que trocar uma das novas por uma das permanentes que temos.
Após os combates, seja na exploração ou encontros aleatórios na aldeia, ganhamos moeda que podemos usar nas lojas que aparecem durante a fase de exploração. Nesses momentos podemos comprar alguma vida ou cartas mais raras de aparecer no nosso vilarejo.
Algo também importante de mencionar é que a morte é permanente. Se algum dos nossos aldeões morrer durante uma luta, morre para sempre. Apesar de passar a maioria do meu tempo apenas com um habitante, nunca me aconteceu morrer um dos habitantes únicos, mas deve implicar perder o jogo se tal acontecer.
Apesar de não ser tão original como inicialmente pensava, Kaya’s Prophecy não deixa de ser um excelente jogo, uma mistura de dois outros, mas uma mistura muitíssimo bem feita, com todos os momentos bem encaixados, mecânicas muito divertidas e com um loop terrivelmente viciante que me deixou horas a dizer “só mais um dia”. E é esta a realidade. Kaya’s Prophecy tem muito pouco de errado. É brilhante e uma recomendação fácil para todos os jogadores.