Normalmente fujo de jogos de “terror” na primeira pessoa como o André Ventura se esgueira, entre berros e acusações, de apresentar uma ideia (Diga uma! Diga uma!), mas houve algo na temática de KARMA: The Dark World que me fez contrair os meus instintos primários de me manter afastado e mergulhar neste mundo distópico para escapar do nosso mundo distópico. Ainda bem que o fiz.

KARMA: The Dark World é um thriller psicológico na primeira pessoa desenvolvido pelo estúdio indie chinês Pollard Studio e publicado pela Wired Productions, lançado a 27 de Março de 2025 para PC, PS5 e Xbox Series, e leva-nos para uma Alemanha Oriental distópica de 1984, sob o domínio de uma corporação totalitária chamada Leviathan. 

Neste universo sombrio e opressor, o nosso protagonista é Daniel McGovern, um agente da Oficina do Pensamento, incumbido de investigar as memórias de cidadãos suspeitos numa sociedade onde até os pensamentos mais profundos são vigiados… e punidos.

Um dos melhores elementos de KARMA: The Dark World é a sua narrativa, cuja densidade e inquietude nos deixam constantemente tensos, num jogo que se desenrola entre as dimensões do real e do surreal. 

Essas viagens entre “dimensões” à mecânica de “mergulho mental”, onde entramos literalmente nas memórias distorcidas dos suspeitos, experienciando na primeira pessoa esses fragmentos de passado, traumas e delírios. Este dispositivo narrativo permite-nos uma exploração profunda de temas como controlo mental, repressão estatal, manipulação da verdade e a fragilidade da identidade pessoal, elementos que infelizmente estão na ordem do dia dado o mundo onde vivemos. 

A história de KARMA: The Dark World é amplamente interactiva, com escolhas que afectam tanto o rumo dos acontecimentos como a percepção do próprio protagonista (e a nossa, por extensão) sobre o mundo à sua volta. Aqui, a acção é substituída por exploração e interpretação simbólica de eventos e ambientes, onde cada memória é um microcosmo que mistura arquitectura brutalista com elementos grotescos, quase sempre envoltos numa atmosfera de sonho lúcido ou de pesadelo. 

A sensação de desconforto constante é reforçada pela direção artística, onde os seus ambientes meticulosamente detalhados, os delicados jogos de luz e sombra, as animações realistas permitidas pelo motor Unreal, trabalham em coesão para nos entregar uma experiência visualmente surpreendente. 

Dada a temática do jogo, é natural que algumas sequências possuam uma linha de lógica mais abstracta, o que somado à ausência de uma orientação mais “tradicional” pode tornar-se frustrante para quem procura uma experiência mais linear, imediata ou mesmo mais acessível.

KARMA: The Dark World é uma experiência de altíssima qualidade no panorama indie contemporâneo, e uma excelente estreia para o estúdio chinês Pollard Studio. Um jogo que desafia as convenções e linearidades narrativas e estéticas, e que nos leva numa viagem psicológica profunda, repleta de simbolismo e inquietação existencial, com paralelismos distópicos e autoritários que muitos gostariam que fosse mais que um sonho lúcido.