Fazer um episódio de O Albergue dos Silêncios só de jogos de aventura é, admito, uma desculpa frágil; quase todos os jogos o são, de uma forma ou de outra. Ainda assim, há algo irresistível neste trio improvável: um cavaleiro delirante feito de papel e saudade, uma criatura vegetal que tenta salvar um mundo em decomposição e uma ovelha heróica que trata o caos como religião. Três aventuras tão distintas quanto o sonho, a raiz e o riso — todas a lembrar-nos que, no fundo, a verdadeira jornada nunca é sobre o destino, mas sobre a estranheza do caminho.

Hidalgo: A Don Quixote’s Adventure

Infinite Thread Games – Espanha 

Data de lançamento não definida – PC 

Nem todos os moinhos são inimigos, mas em Hidalgo: A Don Quixote’s Adventure é impossível não querer enfrentá-los. Este jogo espanhol reinventa o clássico de Cervantes com uma doçura artesanal: cinco capítulos em que jogamos como Quixote e Sancho, entre puzzles ambientais, combates imaginários e uma La Mancha construída de materiais reciclados. O mundo parece saído de um teatro de marionetas — colorido, táctil, vivo — embalado por guitarras espanholas que soam entre o humor e a melancolia. Aqui, delírio e ternura andam de mãos dadas, como o cavaleiro e o seu fiel escudeiro.

Mas Hidalgo não se limita à homenagem literária: há uma segunda história, moderna e silenciosa, sobre uma mãe solteira e os seus filhos, que recriam as aventuras de Quixote enquanto lidam com bullying, perda e distância emocional. O jogo transforma a fantasia num espelho da vida real, onde a imaginação não é fuga — é resistência. Entre puzzles que pedem cooperação e lutas contra monstros “adoravelmente ferozes”, Hidalgo celebra o poder do faz-de-conta e da família. No fim, não é só o cavaleiro que reencontra o seu ideal; somos nós que lembramos porque é que ainda vale a pena sonhar contra o vento.

Rootbound

Brainlag Games – Alemanha

2026 – PC

Há mundos que se salvam com espadas, e outros com raízes. Rootbound pertence à segunda espécie: uma aventura de acção com física e alma botânica, onde controlamos uma pequena criatura vegetal em busca de salvação para a sua terra devastada por uma praga misteriosa. O cenário é a ilha artesanal de Akara, um território fragmentado por ruínas antigas, tecnologia esquecida e espíritos perdidos. Cada canto esconde segredos, puzzles e inimigos que parecem mais trágicos do que malignos. Tudo pulsa com a sensação de um mundo à beira do colapso, mas ainda teimosamente vivo.

A originalidade de Rootbound não está só na estética ou nas mecânicas, mas na relação improvável com a sua melhor personagem: uma mochila viva. Silenciosa, mas temperamental, ela apanha objectos, arremessa-os de volta e até atrai a ira dos monstros que percebem que ali há algo mais do que tecido e fecho. E enquanto a chuva — símbolo e castigo — cai como ameaça constante, o jogador procura abrigo na luz das fogueiras, que funcionam como refúgios e rituais de esperança. É um jogo sobre a fragilidade da vida e a persistência das coisas pequenas. Um mundo em decomposição, salvo, talvez, por uma planta que se recusa a morrer.

Tales of Tuscany

Nico Papalia – Itália

2026 – PC

Há jogos que se levam demasiado a sério. Tales of Tuscany não é um deles — e ainda bem. Neste delírio pixelizado de humor anárquico, controlamos Lambypoo, uma ovelha heróica cujo lar foi destruído por um feiticeiro chamado Thunder Goober. A partir daí, o caos é lei: o jogador decide se quer recrutar os inimigos, explodi-los com um simples “Baaa”, ou perder-se em sidequests que vão de esquemas de pirâmide a campeonatos de pesca com duração bíblica. Tales of Tuscany é o RPG de aventura onde o absurdo não é falha de design; é filosofia.

Misturando combates bullet-hell com minijogos improváveis — como talhar abóboras ou surfar numa piscina pública — o jogo faz da incoerência o seu motor criativo. Há modos de desafio insanos, finais alternativos e até a possibilidade de trocar postais digitais com outros jogadores, cada um refletindo as decisões e maluquices da sua própria jornada. É um RPG sobre partilhar histórias, rir do ridículo e celebrar o caos como se fosse arte. No fundo, Tales of Tuscany é o equivalente videojogável de atirar um amigo a um canhão e dizer: “confia, vai ser épico”.3