Temaki de atum.

22 de Maio de 2015.

A jam da Miniclip decorre no Instituto Superior Técnico, com o apoio da SINFO.

Chego ao pavilhão de engenharia civil.

Dão-me um cartão com uma fita para usar à volta do pescoço. Tenho de preencher o cartão com o meu nome, e fazer cruzes em categorias que descrevem as minhas habilidades. As próximas duas horas, antes do tema ser anunciado, serão para conversar com participantes e formar grupo. Escrevo a tinta permanente no cartão de plástico. A caneta foi-me emprestada por Wilson Almeida. “Quem é Wilson Almeida?”.

Um temaki de atum, uma dose combinada de sashimi e nigiri, dois rolos uramaki.

Diz-me uma coisa”, escrevo numa chat window, um mês antes; “também estás envolvido na organização desta jam?”; “estou sim”, responde-me Wilson; bem me parecia. Há bastante tempo que Wilson Almeida tem estado por detrás deste tipo de eventos; mesmo quando não está a organizar directamente, está sempre envolvido; Wilson Almeida não só é quem está agora a dirigir o Game Dev Meet, um evento mensal ao qual dedicámos um artigo no Observador, como está também à frente da Altera Game Jam, e co-organizou a última edição da Global Game Jam em Lisboa. Wilson é o primeiro dos muitos nomes que vou referir nesta série de artigos que estou a escrever de uma vez, sentado neste restaurante.

Com o tempo, tem-se vindo a formar uma ideia na minha cabeça, uma dicotomia: em Portugal, há game jams com o apoio de Wilson Almeida, e sem. Wilson é certamente o “homem das game jams” em Lisboa, mas talvez também de Portugal, uma vez que as jams lisboetas têm recebido participantes de todos os cantos do país, e que ele mantém contacto com quem organiza jams fora de Lisboa.

Porquê?”. Não sei. Mas há algo de assustador acerca disto. Antes de organizar jams, Wilson não tinha, naturalmente, experiência nessa área; isso não significa que não fosse um entendido, já tinha participado em várias jams dentro e fora do país, já tinha acumulado alguma bagagem e conhecimento por observação, mas ainda assim, só havia uma coisa que distinguia Wilson Almeida de qualquer um de nós: força de vontade suficiente para realizar um projeto destes.

Repito, portanto: há algo de assustador. Se força de vontade foi o que fez por si só que associássemos game jams a Wilson e vice-versa, porque é que há tão pouca gente a mobilizar-se para fazer o mesmo?

wilson

De vez em quando, passa-me pela mente a seguinte imagem: o solo de Portugal é radioativo; envenena-nos e tira-nos a força, e enquanto que uma dúzia de pessoas vive, e constrói e destrói o mundo, o resto de nós é uma assistência de comentadores passivos. Podíamos ter sobrevivido quer 1755, quer o Estado Novo, mas nunca os dois. Estamos quebrados, feridos a nível cultural; porque é que há tanta gente que assim que emigra deixa de ser um pessimista e niilista político para tornar-se num dos cidadãos mais ativos entre os seus pares, dedicado aos seus sonhos e ambições? Não acredito que se deva só a fatores financeiros. Só pode ser radiação.

E por falar em radiação: um temaki de atum, uma dose combinada, dois rolos uramaki, tempura de legumes, tempura de camarão, nigiri de peixe-manteiga e de robalo. Emagreci 1 Kg, apesar do lixo todo que comi e das horas que passei sentado, no fim de semana da última jam em que participei. Sinto que desta vez emagreci 2 Kg ou mais. A senhora que registou o meu pedido fez-me um olhar estranho. A jam acabou, estou com um ar miserável e olheiras esculpidas na pele da minha cara. Estou eu e estava toda a gente. Participantes e organizadores. Nenhum de nós ali vive a radiação de Portugal.

Também estás envolvido na organização desta jam?”; “estou sim”; “só podia ser”. Na verdade não é verdade. Podíamos todos. Podemos todos. O grupo cresce. O renascimento dos videojogos em Portugal aproxima-se. Já começou, dizem alguns. As três salas estavam apinhadas de gente; havia quem tivesse trazido desktops e monitores.

Sentei-me. Sabia que estava sentado entre os melhores. Sei que o futuro tem muito reservado para quem lá estava. Estava sentado entre os Edmund McMillen e os Markus Persson de amanhã. Estávamos a fazer História. Estamos. Sentado, os meus olhos saltavam de cara para cara; conheço metade deles, e já tive o prazer de jogar jogos que fizeram; imaginei os jogos deles que jogarei daqui a uma década.

Wilson Almeida entrou na sala, com outros organizadores; apresentou o evento, explicou o porquê de este existir, para dar oportunidade a pessoas como nós, para desenvolvermos portefólio, para que a oportunidade tenha oportunidade de crescer, para pormo-nos no mapa.

O tema foi anunciado. Desejou-nos boa sorte.