Bastam 300 metros para causar um arrepio na espinha e nostalgia ao mesmo tempo. Em Laguna Seca, uma das mais famosas pistas da série Gran Turismo, existe uma ligeira subida, seguida de uma íngreme descida com curva e contracurvas. Para quem como eu se estreou na série deste simulador automóvel há 25 anos, é impossível não sorrir ao reviver este momento de condução no agora novo Gran Turismo 7 (GT7).
Ao longo dos muitos anos e títulos da série, cada um ultrapassava o próximo e marcava um novo marco como o mais completo jogo de carros nas consolas. Passar a ponte de Grand Valley Speedway e entrar no túnel deslumbrou os jogadores, tanto os que a experimentavam pela primeira vez, assim como os que sempre jogaram ao longo de duas décadas e escolheram este como o seu amor preferido pela simulação automóvel.

We’ve come a long way…
No entanto, a partir do GT5 algo mudou. A série Forza Motorsport, que sempre foi designado como o clone inferior de GT, começou o seu trajecto de passar para a dianteira e ultrapassar (metáforas à parte) o seu concorrente directo. Esta aposta da Microsoft tornou-se tão bem sucedida que, passados uns anos, Forza 6 já estava a par com GT, até que Forza 7 simplesmente arrasou a propriedade da Sony em termos de fidelidade e jogabilidade automóvel.
Quero acreditar que GT Sport foi uma espécie de hiato, enquanto a Polyphony Digital reconstruia um simulador que regressasse ao pódio, e é isso mesmo que consegue GT7. GT7 é o maior salto na série desde o aparecimento de GT4 que em fim de vida de uma consola (neste caso a PS2) apostou pelo seguro, daí para a frente, sem grandes remodelações. A questão é que essa liderança poderá não durar muito tempo devido a uma concessão, mas já lá iremos mais à frente.
O Regresso do modo de campanha
Como alguém escreveu um dia, “Quanto mais percebo de relações mais gosto de carros”. Ao longo dos tempos a série GT perdeu a sua progressão natural de campanha em que iniciamos com carros fracos e tínhamos arduamente que progredir para ir adquirindo os modelos mais potentes. Tornou-se uma série sem objetivos bem definidos e que rapidamente nos poderia aborrecer. Tão cedo começamos com um Fiat 500 como a seguir já estávamos aos comandos de um infernal Lamborghini. Com GT7 tudo muda novamente, e se pensam agarrarem-se automaticamente ao vosso carro desportivo favorito para competir em Le Mans, preparem-se para dezenas de horas de progressão e créditos ganhos com muito suor e empenho.
A nova campanha facilita esta progressão de uma forma quase genial. Um dos nossos hubs no menu do jogo, é um café onde nos servem menus. Cada menu tem um objectivo que pode passar por colecionar três modelos icónicos de Hatchbacks, Corvettes, ou BMWs, todos icónicos na história automóvel clássica e contemporânea, assim como completar campeonatos ou guiar-nos através de tudo o que se pode fazer no jogo. Desde tuning, a compras, fotos ou customização, é através dos menus do café e da conversa com o seu dono que vamos conseguindo desbloquear a próxima fase e os cerca de 90 traçados disponíveis. A ideia é ainda mais genial porque além de assegurar a progressão, este enorme “tutorial”, leva-nos a explorar todas as opções do jogo e a ir ganhando progressivamente carros mais potentes e créditos para as próximas peças ou carros. Para completar este modo são necessárias cerca de 20 a 25 horas de jogo. A partir daí, a viagem a seguir é a vossa, mas parte com uma bagagem recheada de conhecimento, créditos, e muita cultura automobilística.
A Polyphony quis ter como temática principal de GT7 a paixão pela cultura automóvel e é isso que esta campanha nos proporciona. Não só porque nos oferece modelos icónicos ao longo dos tempos, como nos conta a sua história e importância assim que completamos o menu. Estamos sempre desejosos de regressar ao café para entregar as nossas conquistas e, desta forma, nunca sentimos (literalmente) que andamos às voltas. Há uma clara intenção do estúdio de regressar às raízes até pela forma como abandonou os circuitos citadinos e se concentrou em pistas de corrida “tradicionais”. Não se preocupem. Os túneis e traçados de floresta de Trial Mountain continuam lá tanto para impressionar os novos jogadores, como para trazer de regresso a casa e à estrada os fãs mais antigos da série.
A experiência de condução
É aqui que se dá o grande salto e que devolve a Pole Position a GT7. O comportamento, a física e a jogabilidade são desafiantes e o mais realistas possível, atingindo um novo pináculo na simulação automóvel. Mesmo que escolham o modo novato com algumas assistências, o jogo não vos vai ajudar muito, e qualquer erro custa-vos uma curva, um despiste, uma posição ou uma prova. A sensação de condução é de um realismo tão apurado que qualquer distração irá conduzir ao erro. Sim, é impossível destruir um carro para além de alguns riscos na pintura, mas se eu quiser ver carros desfeitos em pedaços ligo a CMTV. Esta “proteção da cosmética das marcas automóveis” não implica no entanto cedências para os condutores mais hardcore, já que estes podem ligar as opções de danos físicos com necessidade de reparação, reabastecimento de combustível ou mudar de pneus regularmente na ida às boxes.
O mais impressionante, no entanto, é o comportamento da meteorologia na condução. A meio de uma corrida pode começar a chover como já é habitual, mas também pode cair uma enxurrada digna de uma zanga bem grande lá para os lados do céu. Obviamente que a partir daí conduzir o nosso carro a alta velocidade torna-se impossível. O que não esperava era no entanto ver todo o pelotão a desacelerar e a conduzir com muito cuidado de forma a que ninguém se despiste, voltando a acelerar quando a enxurrada parou e a pista foi secando.
A estrada na ponta dos dedos
A jóia no topo da coroa é a utilização do Dual Sense (para quem jogar na PS5). O Dual Sense proporciona a melhor experiência de condução de todos os tempos com um comando. O feedback háptico é usado ao longo de toda a experiência e o resultado é a sensação de condução na ponta dos nossos dedos. Cada lomba, cada aceleração, cada troca de mudança, cada passagem numa poça de água, transmite-nos às mãos a experiência de condução em zonas diferentes do comando, conforme a posição em que nos encontramos no terreno. Mas onde a genialidade entra em acção é no gatilho de aceleração. Cada vez que perdemos aderência nas rodas o gatilho prende a meio não nos deixando apertar ou soltar enquanto não devolvermos ao carro o controle na pista. Experimentei o jogo com um volante e a experiência com o Dual Sense bateu a anterior. Nada foi feito até aos dias de hoje na simulação automóvel que se aproxime desta sensação de ter a estrada na ponta dos dedos e, devido às características únicas do novo comando da PS5, é algo que a concorrência não conseguirá igualar em nenhum jogo. GT7 é um jogo com muitas qualidades, mas a utilização do Dual Sense é a melhor feature deste título. Uma sensação inigualável, cujas palavras dificilmente transmitem a experiência.
Um jogo “bonito”
Bonito é um adjectivo que normalmente não necessita de aspas. Porém, este jogo não deveria ser bonito mas sim deslumbrante, e é aqui que a Polyphony arrisca a única hipótese de vir a perder a pole position para a concorrência a curto ou médio prazo. Graficamente o jogo é muito competente, com uma enorme atenção ao detalhe e uma menção especial para os horizontes longínquos de cada percurso (looking at you Dragon Trails). Não posso no entanto deixar de falar na concorrência. Este jogo está ao nível gráfico de Forza Motorsport 7 na Xbox Series X e aqui encontramos o único grande erro do jogo. Forza 7 é um jogo de 2017 da geração anterior de consolas, com um update gráfico de nova geração lançado em 2020 que iguala a qualidade de GT7. O seu irmão, Forza Horizon 5, mesmo sendo outro género de jogo de condução, ultrapassa largamente a qualidade gráfica de GT7. Assim como Forza Horizon 5, a próxima entrada na série com Forza Motorsport 8, que estará para breve, já não suporta a geração anterior de consolas. Aqui está o erro da Sony, o de manter GT7 como um jogo compatível com a PS4. Na PS5 nota-se que por mais que se utilizem texturas e outros atributos, o estúdio está limitado na capacidade de criação. Se Forza 8 conseguir igualar a experiência de condução de GT7 e, inevitavelmente, ultrapassar largamente a qualidade gráfica deste último, então a série Gran Turismo arrisca-se a regressar ao segundo lugar para o qual foi atirada desde que Forza 6 foi lançado.

Há que chegar ao Bairro Alto com estilo!
Há algo no entanto que GT7 faz melhor que Forza e outros jogos e isso é o posicionamento da câmara quando usada a perspectiva de estrada. Nesta vista é usual que todos os elementos visuais à nossa frente nos pareçam mais baixos do que deveriam ser, o que retira o realismo aos jogos. GT7 coloca essa câmara mais alta e o cenário é reproduzido na escala perfeita, o que torna a experiência livre da estranheza em outros títulos.
Mas como não há bela sem senão, o Ray Tracing só está disponível nos replays e nos modos de fotografia e vistas. É uma decepção que o jogo seja anunciado com Ray Tracing na PS5 mas não seja possível utilizar o mesmo ao longo da corrida.

Não esperem esta qualidade durante a corrida.
Sem reiventar a roda, mas reiventando o Time Trial
Time trial é um modo de jogo quase tão antigo como o nascimento dos jogos de condução digital, onde temos que passar em cada checkpoint o mais rápido possível para ganhar mais tempo até este se esgotar. A Polyphony reinventa a rod… o time trial, com a utilização de músicas como se de um jogo de ritmo se tratasse. Vamos conduzindo ao som de várias músicas e, quando o tempo se está a esgotar, a imagem vai perdendo a sua cor progressivamente e o volume da música vai descendo. Nunca um time trial foi tão divertido e para quem joga com volante e pedais vai ser complicado não estar a bater o pé ao longo da corrida.

Antes da conclusão, uma surpresa para quem acompanha a série há 25 anos. Com uma PS5 e o seu SSD, o carregamento das pistas é praticamente instantâneo.
Resumindo, Gran Turismo 7 assume novamente a liderança dos jogos de condução, voltando às suas origens e à vontade de dar um enorme salto em cada novo título. A jogabilidade de condução incrível, o feedback háptico do Dual Sense, o regresso da campanha acompanhada de uma quantidade enorme de conteúdo diferenciado, e o respeito pela história e cultura da indústria automóvel com informação infindável sobre carros, marcas e momentos marcantes. Infelizmente, não deram o salto gráfico que esta geração merecia e arriscam-se a não perceber através do espelho que vem a caminho um jogo para o ultrapassar na recta final. Contudo, Gran Turismo 7 não deixa de ser, na PlayStation, o jogo obrigatório para os amantes da condução e para todos aqueles que o queiram experimentar pela primeira vez.