O site que visitava quando estava perdido num jogo qualquer. Hoje em dia, os guias do Steam são bem mais práticos.
Admito: não consigo terminar Hollow Knight sem guia. Foi o primeiro passo, doloroso, para aceitar a verdade. Tive de entregar o meu cartão de Gamer à entidade suprema que gere estes jogadores (havia até uma conta no Twitter que fazia paródia disto, mas perdeu-se, infelizmente). Não estou a falar daqueles jogadores impostores que fingem ser hardcore enquanto, em termos lúdicos, fartam-se de jogar Candy Crush durante horas e horas, até esgotar a bateria do telemóvel e regressarem à realidade, mas não lhes perguntem se jogam, essa uma atividade exclusiva para quem o faz em consolas sentados no sofá. Vou estragar a piada que tentei fazer. Não gosto de me identificar com a nomenclatura Gamer, apesar de jogar bastante, mas muito menos do que nos meus anos de juventude, faz-me recordar imediatamente a desgraça de 2014 – o gamergate. Sou só um indivíduo que gosta de jogar videojogos, sem fanatismo, ao ponto de me dedicar tanto que vou buscar walkthroughs, aliás guias (sim, também fui um feliz dono de uma edição da Bíblia de truques e dicas), no fundo sou tão dedicado que escrevo sobre videojogos, escrevo sobre o uso de guias em videojogos.
Sou, assim, continuando com esta definição, um Gamer de orgulho ferido. Todos os meus achievements na Xbox, troféus da PlayStation e conquistas no Steam foram relegados à irrelevância por estar a usar um walkthrough. Ainda assim, a diversão venceu a vergonha, e lá estava eu, rindo-me de mim próprio enquanto consultava um guia encontrado no Steam. Abrir um guia é como consultar um oráculo antigo: não critica, não julga, mostra-nos apenas o caminho. É humilhante; nunca mais consegui olhar-me ao espelho depois de ter cometido este crime hediondo contra os jogadores sérios, os jogadores pela verdade (será que há um grupo desses no Facebook?); e, sejamos honestos, a eficácia de usar um walkthrough tem o seu charme.

Adoro o Cornifer, um cartógrafo que ignora por completo os perigos de Hollownest pelo que tem ao seu ofício.
Lembro-me das revistas dos anos noventa, mapas riscados à mão, dicas do excelente GameFAQs, pequenos segredos de guerreiros anónimos. Hoje, os walkthroughs vivem no YouTube, o vídeo é rei na Internet. A diferença não é apenas tecnológica: antes sofríamos porque tínhamos de; agora sofremos estrategicamente — e isso muda tudo.
Usar um guia não é batota, é gestão de tempo e sanidade mental. Cada minuto economizado a tentar encontrar aquela chave perdida é um minuto a mais para admirar o design, a música, os inimigos diabólicos — e, claro, para gritar sozinho em saltos impossíveis. Há algo deliciosamente irónico em ser um Gamer impostor: sei onde todos os segredos estão, sigo o caminho certo, mas o meu cartão de jogador genuíno jaz entregue num altar imaginário desfeito em cinzas e depositado numa urna benzida pelo mais consagrado líder da Igreja dos jogadores, a sua santidade sumo pontífice Vítor Antunes, para minha imensa vergonha, de não ter sido sujeito a treino diário para git gud (é aassim que se diz aquela estupidez de alguém ter de melhorar mesmo quando já está no limite das suas capacidades físicas e mentais?), junto a post-its com dicas do GameFAQs e à luz suave da humilhação poética.

Outra vez o Cornifer, claro, afinal é o nosso guia de Hollow Knight.
Pequenos atos de rebeldia continuam possíveis: ignorar uma dica, tentar um salto impossível, falhar gloriosamente. Mesmo com guia, há espaço para desastre épico, e isso mantém a alma viva. Cada boss derrotado com auxílio do guia sabe melhor por causa do drama vivido antes. É humilhação poética: aprende-se a sofrer sem enlouquecer completamente.
Observar os outros Gamers impostores que nunca admitiriam abrir um guia é uma diversão à parte. Eles pontuam alto, mas eu rio por último, feliz, com o meu walkthrough aberto e o ego parcialmente queimado. Todos os diálogos sobre quem conseguiu acabar, derrotar ou vencer algo sem ajuda soam agora a pregação vazia. Eu sorvo a doce ironia, respiro fundo e continuo a minha missão, entre gargalhadas silenciosas e murmúrios de “sou culpado e gosto disso”.
Confessar a fraqueza é libertador. Aceitar que às vezes precisamos de um guia é mais nobre do que fingir ser um herói invencível. O walkthrough não é um inimigo, é um aliado silencioso, amigo discreto que nunca me critica. Há momentos em que penso nas minhas filhas, na escrita que exerço diariamente, na vida real, e percebo que ser um Gamer genuíno é só um conceito abstrato inventado por pessoas que nunca tiveram deadlines, responsabilidades ou medos existenciais.

Obviamente, outra vez Cornifer, é incrível ver o seu amor pelo seu trabalho. É a personificação dos walkthrough em Hollow Knight.
Fechar o jogo, créditos a rolar, traz uma satisfação pura. Não a satisfação de ter feito tudo sozinho, mas a alegria de ter sobrevivido, de ter rido das minhas próprias derrotas e de me ter permitido usar um walkthrough sem culpa — e ainda assim sentir-me um pouco heróico. Porque, no fundo, diversão é isso: terminar o jogo, rir de mim próprio, aceitar que sou um impostor admitido e, quem sabe, partilhar a história para que outros se sintam menos sozinhos.
Fica aqui um brinde ao orgulho ferido *estou a erguer uma Super Bock mini bem gelada*, aos walkthroughs e à felicidade de reconhecer que, às vezes, pedir ajuda não é só humano — é, ironicamente, a jogada mais inteligente.













