Há semanas em que O Albergue dos Silêncios parece revelar tendências, quase como se o próprio submundo indie nos piscasse o olho; esta é uma delas. Três projectos — distintos no tom, na escala e na ambição — convergem em dois traços impossíveis de ignorar: todos procuram financiamento no Kickstarter, em estágios diferentes de esperança ou euforia, e todos partem de uma herança assumida, aquela linhagem de RPGs de colecionismo que Pokémon transformou num idioma universal. Mas o interessante está no desvio: cada um tenta empurrar essa influência para um território próprio, seja através de mundos abertos com construção livre, de melodias tranquilas e aldeias que respiram, ou de narrativas sombrias onde monstros e humanos se misturam de formas proibidas. O que os une é a busca por algo que ultrapasse a nostalgia — uma tentativa de reescrever o género a partir de dentro, peça a peça, criatura a criatura.

Tomo: Endless Blue

Onibi – Estados Unidos da América

Data de lançamento não definida – PC

Os jogadores têm bons motivos para manter Tomo: Endless Blue no radar: este RPG em mundo aberto aposta numa combinação rara de captura de criaturas, construção criativa e exploração verdadeiramente livre. Cada ilha funciona como uma pequena cultura em miniatura, com aldeias vivas, missões próprias e masmorras perigosas onde o espólio raro compensa o risco. A captura e treino de Tomos — criaturas distribuídas por biomas distintos — alimenta uma progressão constante, enquanto o combate em tempo real incentiva a usar o terreno a nosso favor, tornando cada encontro menos repetitivo e mais tático. É um jogo que promete ritmo, variedade e aquela sensação viciante de “só mais uma ilha” que define as melhores aventuras.

Mas Tomo: Endless Blue vai mais longe ao aliar esta exploração a um sistema de construção baseado em física voxel. Casas, veículos e engenhocas improváveis nascem bloco a bloco, permitindo criar desde barcos funcionais até autênticas aberrações flutuantes prontas a enfrentar o oceano infinito. A promessa é clara: milhares de ilhas, lore espalhada por todo o mapa e a liberdade de jogar a solo ou em cooperação, sempre com novos desafios no horizonte. Se procuram um RPG ambicioso, que mistura criatividade, colecionismo e um mundo que se gera aleatoriamente que nunca para de surpreender, este pode muito bem ser um dos projectos mais estimulantes do género nos próximos tempos.

Monsterpatch

Sean Young – Estados Unidos da América

Data de lançamento não definida – PC

Monsterpatch merece a atenção de qualquer jogador que goste de colecionar criaturas, construir equipas e perder horas num mundo cheio de sistemas interligados. A aventura decorre num continente flutuante habitado pelos MoNs, criaturas mágicas que lutam lado a lado com os feiticeiros que delas cuidam. A estrutura lembra o conforto de um clássico de colecionismo, mas com ambições maiores: exploramos cidades e rotas, enfrentamos feiticeiros e arquifeiticeiros — cada um com estratégias próprias — e vamos desbloqueando feitiços que abrem novos caminhos e alteram a forma como atravessamos o mundo. O jogo ganhou financiamento em apenas 16 minutos e desbloqueou todas as metas adicionais, sinal de que a promessa de duas versões com histórias distintas, seis MoNs iniciais à escolha e batalhas rápidas e táticas está a convencer milhares de jogadores.

Mas o que realmente distingue Monsterpatch é o seu lado sereno: entre duelos mágicos e viagens de cidade em cidade, regressamos à nossa aldeia para cultivar terras, colher fruta, pescar, construir casas e até recrutar habitantes. O controlo total sobre o terreno e a decoração permite criar um espaço verdadeiramente teu, onde os MoNs não servem apenas para lutar, mas também para conviver. A lista de feitiços — que vai desde apanhar MoNs até cortar árvores, minerar, pescar ou fabricar vitaminas — transforma o mundo numa caixa de ferramentas em constante expansão. E porque podes trocar MoNs e objetos entre ficheiros de jogo, completar ambas as versões e enfrentar antagonistas diferentes, Monsterpatch posiciona-se como uma aventura generosa, versátil e pensada para quem quer tanto profundidade estratégica como um refúgio tranquilo entre batalhas.

Monster Crown: Sin Eater

Studio Aurum – Canadá

2026 – PC

Monster Crown: Sin Eater quer elevar o género dos monster taming ao limite, e fá-lo com uma ambição que não se vê todos os dias: um mundo vasto onde mais de mil criaturas podem ser cruzadas num sistema de cruzamento híbrido entre espécies, trabalhado com precisão quase obsessiva. Na pele de Asur, um rapaz de quinta que sonha seguir os passos do irmão — o maior tamer da Crown Nation — os jogadores atravessam regiões densas, povoadas por monstros com personalidades próprias: alguns fogem, outros perseguem, outros observam das sombras com intenções pouco claras. A história empurra-nos para o centro de um conflito milenar contra Lord Taishakuten e a sua Ordem Sagrada, uma teocracia mantida por Quatro Reis Celestiais e pelos seus Inquisidores híbridos — fusões proibidas de homem e besta que impõem a paz através do terror.

A força do jogo está no detalhe: ambientes trabalhados à mão, uma banda sonora atmosférica e um leque de escolhas narrativas com impacto real no destino da Crown Nation. Asur cruza-se com facções rivais, cada uma interessada em derrubar o regime, mas cabe ao jogador decidir quem apoiar ou se é preferível enfrentar o destino sozinho. Tudo isto enquanto constrói uma equipa de criaturas poderosas, porque aqui a sobrevivência não é um acto solitário — é uma aliança entre monstros e humanos, guiada por decisões que moldam não só a jornada, mas o próprio mundo que dela emerge.