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A nova máquina que chegou à redacção do Rubber Chicken já tinha um jogo fisgado – Battlefield 1. Tido como uma espécie de reinvenção da algo gasta fórmula de shooter que, de há uns anos para cá foi invadindo e conquistando o espaço dos FPS, substituindo os health packs e as ammo drops pela lógica do “achega-te aqui um bocadinho, descansa e vais ver que esses buracos de bala que tens no peito saram num instante”, Battlefield 1 vinca a diferença por se afastar do futurismo bélico de mods, saltos, voos, invisibilidades e armas capazes de exorcizar uma sala com um esforço mínimo.

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Lama.

É a primeira palavra que nos vem à cabeça quando se pensa em Battlefield 1. Lama. Muita lama. Pedaços de lama a esvoaçar por entre estilhaços de bombas que aterram nas trincheiras onde nos acotovelamos para procurar um cantinho escondido, o mais longe possível do caos da guerra que grita à nossa volta. A série Battlefield sempre fez isso bastante bem. Num mundo de FPS em que somos, quase sempre, um imponente e poderoso herói, Battlefield remete-nos para a insignificância de agarrar o capacete enquanto a visão se afunila, de medo, de choque, com as balas a zumbir em nosso redor. Isso atinge níveis de excelência em Battlefield 1 que, ao dar um salto para trás, aos longínquos tempos da Primeira Guerra Mundial e ao colocar-nos uma arma literalmente do século passado em mãos, adiciona uma componente de quase impotência perante o que se passa à nossa volta. A Primeira Guerra Mundial. A “Guerra para acabar com todas as Guerras” que não acabou com guerra nenhuma…

Lama.

O primeiro impacto em Battlefield 1 é esse. Lama. Sangue. Ordens impossíveis de cumprir. Aguentem a posição, vocês os quinze, ordens do Quartel-General. E nós, de peito feito, habituados a jogos em que somos um qualquer herói, aceitamos. “Claro que sim! Nós os quinze! Nós todos contra vocês, esses mil e um soldados inimigos que continuam a jorrar pelas trincheiras inimigas”. Mas as armas não são devastadoras. Péu, péu, péu. Cai um, surgem mais dois. Uma granada levou o nosso companheiro do lado. Procuramos uma posição melhor, mais fácil de defender, mais atrás… “Aguentem a linha!”, gritam-nos. Ainda é possível. Ainda é possível, certo? Mais tiros. Caos completo. Quem são os nossos? No meio daquele cinzento enlameado e fumarento, quem são os nossos? Não há aqui lugar para a mensagem tão comum em Call of Duty “friendly fire will not be tolerated”. Porque o tal fire… fire is everywhere. And friendly fire… isn’t friendly. Recuamos, temos que recuar. As balas acabam, procuramos desesperadamente, no meio da lama, por uma arma que possa substituir a nossa, sem cartuchos que mantenham os inimigos à distância. Não é fácil. A que poderia ser vista como uma salvação, ao lado de um dos nossos companheiros que agora jaz a esvair-se em sangue, tem apenas duas balas. Pop, pop… cai mais um inimigo, surgem mais dois em seu lugar e nós temos uma vassoura nas mãos. Nisto, pelo canto do olho, dois vultos movimentam-se rapidamente e a nossa visão eleva-se, por momentos, quando a sua baioneta se crava em nós e nos lança no ar, antes de a visão se turvar e cairmos por terra. Não! Não vale a pena dar Load. O rumo não vai mudar. Não adianta jogarem de forma imaculada. Não há saída. Os inimigos vão continuar a surgir e os nossos quinze companheiros de armas tornar-se-ão, inevitavelmente, quinze cadáveres e, também inevitavelmente, nós acabaremos por nos juntarmos a eles. “You’re not expected to survive”.

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Uma das primeiras missões de Battlefield 1 é, também, um marco na história dos videojogos. O ambiente, sublimemente desenhado e realista, sobrepõe-se ao jogador. A guerra é maior que nós. A Primeira Grande Guerra foi maior que as outras guerras. A escala da destruição, da morte, das invenções com a ceifa da Morte é difícil de imaginar. E é suja. Não da lama das trincheiras, não dos estilhaços a voar, mas é suja. De fumo, de gritos, de tiros, de projécteis de artilharia, do famigerado gás mostarda que queima os pulmões e nos obriga a usar uma mal-jeitosa máscara que nos tolda a visão ainda mais, no meio daquele fumo, sangue e lama.

Battlefield 1 tem um começo épico. Visualmente, dramaticamente, tudo… É, sem dúvida, um dos momentos altos dos videojogos, de 2016 e de sempre. Morram. Morram aí uma, duas, três… uma vez e outra e outra e outra ainda… somos colocados em situações impossíveis de resolver e isso vai contra virtualmente todas as mecânicas de jogo conhecidas que nos forçam a ser melhores, a jogar melhor, a perceber o puzzle, a ultrapassar a dificuldade. “Git Gud”! Battlefield 1 assume aqui paralelismos com Candy Crush Saga. Propositadamente frustrante, somos colocados ante situações em que é suposto falharmos enquanto nos dão – porque sempre fomos educados para tal – a entender que é possível ultrapassar os obstáculos e sair vencedores. Em Candy Crush Saga somos carinhosamente colocados num cenário em que é suposto falharmos. De forma subtil, o jogo conduz-nos, de frustraçãozinha em frustraçãozinha, a saltar a barreira que nos impede de fazer aquela primeira micro-transferência que nos ajude a destruir a pecita que falta para terminar o nível. Oh, não é sempre assim, certo… Há níveis que passamos à primeira. Ez Katka! Mas outros há em que, por muito bem que joguemos, não nos é permitido avançar… E é aqui deixa de ser possível distinguir entre os dois jogos, com a crueldade que isso implica. Somos talhados para morrer. E, depois do choque inicial em Battlefield 1, percebemos que saltamos de situação desesperada em situação desesperada, culminando com a invariável morte. Choca, no início. Torna-se tristemente banal com o decorrer desta primeira apresentação do jogo. Somos carne para canhão. Somos um dos 17 milhões de mortos que a Primeira Grande Guerra semeou. Não somos heróis. O nosso nome não ficará na história. Arrisco dizer que, no longínquo ano de 2016, ninguém saberá quem fomos, ninguém lembrará os actos heróicos que levamos a cabo por entre a lama das trincheiras…

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Battlefield 1 está dividido em várias campanhas, em cenários diferentes da Primeira Grande Guerra. Não há um fio condutor que ligue entre si os vários capítulos, situadas em locais e alturas diferentes durante a Guerra… Vestimos a pele de uma personagem e, ao longo da campanha vamos sendo brutalmente conduzidos através de uma história que nos permite criar alguma ligação à personagem, quase sempre no singular, quase sempre a deixar no ar a ideia de que se poderia ter feito algo mais, algo melhor. Battlefield 1 é absolutamente soberbo de se jogar, mas em termos de enredo, de campanha e até de precisão histórica, muito mais poderia – e deveria ter sido feito.

Não consigo digerir muito bem a total e absoluta ausência de um exército Francês durante a campanha. E, se por um lado o jogo faz uma tarefa fantástica ao colocar-nos na mão espingardas de 1914 na mão, por outro, algo condescendentemente introduz a presença de armas automáticas e semiautomáticas que existiam, sim senhor, à altura, mas que não eram, nem de perto nem de longe tão ubíquas quanto o jogo dá a entender, ou que nem existiam sequer até 1918. De certa forma perde-se aquilo que poderia ser uma grandiosa reconstituição histórica de uma guerra para se ganhar uns milhões em vendas a um público infanto-juvenil. Não quero com isto dizer que o jogo está mau, de alguma forma, longe disso! Mas quando nos dão algo com este aspecto, com este cenário, com esta jogabilidade… é impossível deixar de desejar algo mais, algo perfeito, algo decidida e definitivamente obrigatório de ter, acarinhar, guardar. As armas da Primeira Grande Guerra eram simples. Apontar, disparar, recarregar, disparar. As Metralhadoras surgiram como Adamastores a controlar o campo de batalha. As espingardas de ferrolho (conhecidas pelos gamers como bolt-action) eram a esmagadora maioria das armas presentes no campo de batalha e armas automáticas e submetralhadoras surgiram apenas na derradeira fase da Guerra. Ora é aqui que Battlefield 1 claudica, dando-nos a entender que estas eram comuns na altura da guerra das trincheiras… Em termos leigos, a Primeira Guerra Mundial era mais Péu Péu Péu, e o que nos aqui é apresentado anda muito na base do Ratatata. Pena.

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Com uma campanha interessante mas salpicada de personagens desconexas e com histórias relativamente curtas que não duram mais de meia dúzia de horas, é na vertente Multijogador que Battlefield 1 coloca as suas fichas. Pegando na fórmula que tem funcionado, Battlefield 1 permite-nos escolher entre quatro classes: Assault, Medic, Support e Scout. Cabe-nos depois personalizar a classe de acordo com as nossas preferências e as limitações da mesma. Um Assault é o elemento mais indicado para lidar com veículos inimigos e para combate a curta distância. No outro extremo, o Scout surge-nos como um Sniper, cujo seu ponto forte é o combate frente a infantaria a longa distância. Algures pelo meio encontra-se o Medic, jogável como um combatente de primeira linha ou como linha intermédia entre os Scouts e a vanguarda, com uma boa selecção de armas de médio-longo alcance. Capaz de reviver companheiros abatidos e curar os feridos, o Médico é uma classe útil sobretudo por isso. O Support assume tarefas de apoio a diversas manobras, fornecendo munição, fogo de cobertura ou cortinas de fumo. Misturando apenas quatro classes mas com inúmeras variantes de armas e equipamentos em servidores de 60 pessoas e temperando com um sortido de veículos que vão desde side-cars aos primeiros Tanques, passando por veículos de artilharia, carros de combate, e vários tipos de aviões, Battlefield 1 proporciona uma experiência em Multijogador verdadeiramente épica e que promete longas horas sem grande repetição. Uma das suas bandeiras é também a cavalaria – curiosamente na Guerra que acabaria por a tornar obsoleta – com o combate a cavalo, incluindo uma vertente corpo-a-corpo, recorrendo a sabre de cavalaria, a ser uma interessante adição ao jogo, sublimemente lançada na campanha alusiva a Lawrence of Arabia.

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Dito isto, não quer dizer que o lançamento tenha sido perfeito. Na pressa de lançar o jogo, a DICE esqueceu-se de afinar e terminar determinados detalhes que considero fulcrais para uma boa experiência Multijogador. A primeira e mais crítica, entretanto resolvida, era o acesso à personalização do jogador e da classe apenas quando dentro de um servidor. Ou seja, só dentro de um servidor, com o jogo a decorrer e com um conjunto de companheiros a contar connosco era possível adquirir e escolher as armas, ferramentas e granadas utilizadas em cada classe. Uma falha clamorosa que levantou um burburinho na crescente comunidade de jogadores. Outra das situações que me incomoda particularmente é a mão de ferro da DICE no que diz respeito aos servidores. Sou fã de jogos que consigam transmitir o mais fielmente possível, através de um ecrã de computador, a experiência da Guerra. Jogos que me façam baixar a cabeça e hesitar mover-me são poucos e Battlefield, a par de DayZ, é dos poucos que consegue fazê-lo, muito por força do chamado Hardcore mode, um modo de jogo sem as tradicionais ajudas para o jogador. Ou seja, nada de mini-mapa, nada de HUD a indicar o número de balas no clip, nada de crosshair, dano mais realista das armas… no fundo, uma diminuição das ajudas que o jogo nos fornece. Eu não quero auxílios. Não quero saber de onde veio o tiro do Sniper que me matou a 800 metros de distância. Se ele trabalhou pela posição, é deixá-lo ter o mérito da mesma e forçar-me a tentar uma nova abordagem ao sector. É assim que eu gosto das coisas. Um tiro de caçadeira a dez metros não deixa ninguém em condições de ir ao Burger King pedir um Whopper depois de eliminar 5 inimigos numa sala. Não. Um tiro de caçadeira a dez metros deve deixar-me a ver batatas pela raiz e é isso que eu quero que o jogo transmita. Ora, numa fase inicial, o modo de jogo estava lá mas, com TODOS os servidores a serem controlados única e exclusivamente pela DICE, o número de servidores a rodar em Hardcore mode era, contas feitas, arredondando e fazendo a prova dos nove, mais ou menos zero. Not good. Entretanto, num patch recente, as coisas terão sido resolvidas e os servidores onde uma Kill to Death Ratio de 1 é uma verdadeira conquista vão começando a surgir. Ainda bem.

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Battlefield 1 é um jogo obrigatório. Fenomenal do ponto de vista audio-visual, bem optimizado, o que permite que corra satisfatoriamente em máquinas menos potentes, tira, no entanto, partido de uma potente máquina, para nos colocar em plena acção quase foto-realista. Merecendo um prémio pela audácia de abordar a temática aparentemente pouco apelativa da Primeira Grande Guerra (Verdun é o único jogo do género que me lembro abordar o tema na perspectiva de um First-Person Shooter), mancha um pouco a pintura com algumas imprecisões históricas, embora se perceba o interesse por detrás disso. Um jogo altamente recomendável, mesmo para quem pretender jogar apenas a curta campanha.

[ Todas as imagens aqui presentes, bem como todos os testes realizados com Battlefield 1 foram realizados na máquina fornecida pela Alientech, a ALIENTECH MASTER EDITION, cujos specs podem verificar aqui.]