A leveza do teu ser está contida em cada batida do teu coração…

O tema dos ninjas é de certa forma cíclico. As décadas vão passando e histórias de assassinos silenciosos de olhos em bico (e não só) são contadas uma e outra vez, com maior ou menor elegância, com melhores ou piores efeitos especiais. O assunto é tão internacional que até nós, à beira mar plantados, já o celebrámos no inolvidável e histórico “Ninja das Caldas”, essa pérola cinematográfica que persiste na memória colectiva dos portugueses. Ou quase todos… O filme agraciou-nos com diálogos tão icónicos como: “Digam-me os vossos nomes e eu mato-vos por ordem alfabética” ou “Vais conhecer a supremacia da dor”, entre outros. Curiosamente, “Puto, o medo é uma coisa que a mim não me assiste”, não é uma frase do filme, mas é proveniente da mesma zona geográfica e adequar-se-ia facilmente, tal é a sua polivalência e intemporalidade. Os efeitos especiais, para maiores de 18, impressionam ainda nos dias de hoje qualquer espectador menos dado a molho de tomate açucarado.

Por muito que os leitores do Rubber Chicken quisessem que eu dissertasse sobre todas as mensagens universais e lições de vida presentes no filme realizado por Hugo Guerra em 2002, tirem o cavalinho da chuva. Falar-vos-ei porém de um dos melhores jogos saídos para Xbox Live este ano. Afirmar que será o melhor seria demasiado arriscado, referenciá-lo como um dos melhores do género de acção furtiva de sempre em 2D, parece-me um julgamento acertado e no mínimo justo.

És a salvação do homem com h grande…

 

Mark of the Ninja (MOTN) busca inspiração em muitos filmes da década de oitenta, talvez aquela em que mais cinema deste género foi produzido. Saíu muita coisa nessa altura e às vezes mais, também é menos. Pesquisem no youtube sobre filmes de ninjas dessa época e talvez o primeiro parágrafo desta análise não seja assim tão exagerado.

Embora nessa altura fosse um espectador mais atento do género do susto e do medo, não fiquei indiferente ao engenho, capacidade de ludibriar e execução perpertada por ninjas em vários filmes que assisti. As investidas das décadas posteriores neste género dão-nos a conhecer outras dimensões da arte ninja. A qualidade da produção foi melhorando e os efeitos especiais estão mais presentes. O shinobi shozoku (farda) é preterido por roupas mais convencionais e menos históricas da arte de guerra furtiva. De repente lembro-me de um fato macaco amarelo vestido por uma bela e perigosa mulher…

Houve, porém, um filme em 2009 chamado “Ninja Assassin” que não me passou despercebido e quer-me parecer que não caíu desamparado por entre os dedos dos talentosos artistas da Klei Entertaiment. Talvez pelo facto de ter estreado mais recentemente (2009) seja mais fácil relacioná-lo com Mark of the Ninja. O “look” mais moderno, as cenas noturnas, o sangue a jorrar ou a chuva que cai como se não houvesse amanhã são elementos comuns aos dois. Também existem semelhanças na história, algumas personagens assim como a mesma mistura de culturas, a ocidental e a nipónica. A narrativa de Mark of the Ninja não é empolgante, no verdadeiro sentido da palavra, mas reveste-se de algum mistério que se prolonga até ao final e obrigará também o jogador a realizar mais do que uma investida para perceber a real dimensão moral do jogo. Embora a luta entre o bem e o mal seja sempre o pano de fundo destas andanças, há que estar atento a quem é realmente o nosso real inimigo, se os outros, se nós próprios…

No capítulo da jogabilidade, MOTN permite-nos ludicamente, as habilidades de um ninja. O nosso personagem é de tal forma suave a controlar que uma vez mecanizados os movimentos que temos que fazer e os botões que temos que carregar, vamo-nos sentir compelidos a executar as missões com dedicada perfeição. Quer isto dizer, com silêncio, excelência e honra. O jogo fará questão de nos lembrar se cumprimos ou não estes requisitos. Uma morte limpa e seremos um assassino silencioso, uma eliminação descuidada e barulhenta e o jogo comparar-nos-á a um mero camponês azeiteiro, trapalhão e chunga.

Friend or Foe?…

 

É de facto neste departamento que o jogo dá cartas, a fluidez do protagonista, os seus movimentos, ataques e também o elemento sonoro que é factor fundamental para levar avante as missões. Se a acção furtiva pressupõe que o silêncio e a ocultação sejam as principais armas de um ninja, então o título da Klei é o seu legítimo dono. Visualmente, o som que a nossa personagem faz é indicado por um círculo moderadamente grande que o envolve. Se simplesmente andarmos esse anel desaparece, se corrermos o mesmo aparece como meio indicador do barulho que estamos a fazer naquele momento. Se estivermos perto de um guarda nessa altura e o diâmetro desse círculo alcançar o seu espaço, ele reage imediatamente. Se continuarmos a ser descuidados, accionará o alarme ou atacar-nos-á impiedosamente.

Desde o início da aventura que somos acompanhados em momentos chave por uma ninja misteriosa que nos orienta no caminho a tomar, aconselha qual o percurso mais sensato de modo a evitar os guardas e explica como podemos usar as nossas capacidades de forma apropriada. Evitar guardas é a postura mais indicada e saudável para prevalecermos. Esqueçam Shank e a sua rebeldia desenfreada… A luta cara a cara é possível, mas os riscos são muito maiores e muitas vezes os nossos adversários, como já referi atrás, são implacáveis e pouco tolerantes a actos de inconsciência ou demonstrações vulgares de poder. Para fazer bem, entenda-se executar as missões com dignidade, é fundamental desenvolver e pôr em prática uma metodologia precisa. Com a experiência os movimentos tornam-se naturais para o jogador e uma execução sumária e honrada é uma recompensa bem recebida e apreciada. Mas não pensem que teremos de nos mover pé ante pé e demorar 15 minutos a executar um guarda. Quando o povo diz que depressa e bem não há quem, eu digo-vos que há sim senhor: o protagonista de MOTN.

Quem já assistiu a filmes do género, constatou que os ninjas usam-se de todo o tipo de mecanismos para desviar a atenção das suas vítimas. Assim, podemos e devemos utilizar shurikens para desviar a atenção de cães e guardas, uma técnica simples mas eficaz. Um pormenor bem aplicado é aquele em que se torna essencial esconder as nossas vítimas para não corrermos o risco destas serem encontradas por outros camaradas militares. Cada vez que encontram um corpo perdido, os guardas fazem soar o alarme e consequentemente diminuem as nossas hipóteses de prosseguir a missão. Contentores, alçapões ou simplesmente largar as nossas vítimas para um nível inferior de onde nos encontramos, são formas de limpar as nossas pegadas evitando assim pior sorte. Esta dimensão da jogabilidade foi muito bem implementada, pois obriga o jogador a agir rápidamente e a ser cauteloso ao mesmo tempo. Paradoxal, eu sei, mas possível. Também é possível arremessar os cadáveres das nossas vítimas para uma zona onde estejam inimigos. Um acto dessa natureza provocar-lhes-á medo e inquietação, tornando-os em presas mais fáceis de executar. Apesar de ser uma situação sinistra, é ao mesmo tempo cómica e divertida. Para nós pelo menos…

Se isto correr mal, ao menos tenho arbusto para amparar…

 

Mas este título não sobressai apenas pela eliminação sucessiva de inimigos. Os níveis proporcionam variação suficiente para não sentirmos linearidade na progressão da aventura. Raios laser, metralhadoras e gases venenosos também são obstáculos mortais e exigirão da nossa parte engenho e imaginação para serem superados. Também existem níveis com uma mecânica de puzzle que proporcionarão bons e difíceis desafios. Andamos em telhados, túneis e passagens secretas que podem ser uma alternativa ao caminho que era suposto tomarmos. Nessas incursões, explorando outras áreas, descobrimos artefactos que nos darão pontos suficientes para adquirirmos capacidades, armas e poderes especiais. Bombas de fumo que confundem e neutralizam câmaras e raios laser, misturam-se com ferramentas de guerra ancestrais, tais como escaravelhos que uma vez lançados para cima de soldados se regalam com os seus ossos, carne e sangue quente. Puxar um inimigo para debaixo de um alçapão, pendurá-lo num poste, depois de o executar, são alguns dos truques que a pouco e pouco vamos tirando da cartola. Um ninja com chapéu de mágico, havia de ser bonito…

Como já é marca registada da Klei, os gráficos de MOTN vão buscar inspiração aos desenhos animados modernos. O traço é forte, as cores são garridas mas tudo é feito com bom gosto e subtileza. Parece que estamos a jogar Shank, mas numa mecânica de jogo totalmente diferente. Os níveis são variados quanto baste apesar da escuridão, elemento chave da jogabilidade, dar a sensação que os mesmos se repetem. Não se pode ter tudo… Existe um número variado de maus da fita e cada um com características específicas e grau de perigosidade. Enquanto há aqueles que estão literalmente a dormir enquanto trabalham, existem outros que só com alguma experiência por parte do jogador é que poderão ser despistados. Alerto-vos que os inimigos dos últimos níveis são particularmente dificeis de eliminar e quando detectam a nossa presença, é “dar ó slide” dali para fora, permitam-me a expressão. Existem mulheres aranha que implacavelmente correm atrás de nós, disparam raios laser dos olhos, bem como snipers que não toleram saltinhos e mortais encarpados. Para estes é “one shot, one kill”. Também existem cães que pelo cheiro detectam a nossa personagem com mais facilidade, desempenhando a nosso desfavor, um trabalho bastante mais meritório que alguns guardas.

Ele está ali pá! Corre!

 

Nos últimos níveis a luz de presença desce consideravelmente, condição que nos obriga ou a aproximarmo-nos do ecrã ou a fazer inevitavelmente um esforço maior a tentar descortinar o que se está a passar. Não é nada de grave e poderá ser compensado com a calibração do claro-escuro, que está disponível no menu de opções. No entanto, exagera o conceito de acção furtiva no sentido em que até para nós que controlamos o ninja, se torna difícil de perceber onde é que ele está e o que está a fazer. Os criadores do jogo talvez tenham levado o conceito de acção furtiva demasiado a peito? Nem por isso. O nosso herói é relativamente pequeno no ecrã e isso é uma coisa boa e má. A perspectiva alargada do nível proporciona-nos a vantagem de pormos em prática uma boa estratégia ofensiva, porém perdemos alguns momentos a localizarmo-nos no ecrã e isso pode ser problemático. Existem ocasionalmente momentos em que o framerate abranda e os scrollings em paralax gaguejam ligeiramente mas nada que ponha em causa a jogabilidade… Uma outra situação que identifiquei foi o facto do local onde reiniciamos um nível estar dependente do local onde fomos neutralizados a última vez. Como tal, apesar do jogo nos colocar normalmente numa área segura para reiniciarmos a aventura, às vezes larga-nos no meio dos lobos, restando-nos apenas fugir a sete pés e esperar que o alarme passe, mais uma vez.

A banda sonora faz lembrar os filmes de acção realizados pelo Michael Bay e inspira-se bastante na mecânica auditiva popularizada por Metal Gear Solid. Ao sermos detectados por um guarda ou alarme, o som sobe em flecha e a dinâmica sonora encarrega-se de nos destabilizar, toldar o juízo e o raciocínio. Fugir com silêncio é uma coisa, escapar ao som de um alarme e inimigos a exclamarem: “Eles andem aí!”, é outra completamente diferente…

Xiu…

 

Quando terminei o jogo, dei por mim a começar tudo de novo, outra vez. Em vez de descansar e deixar a aventura para outro dia, a vontade de aplicar a experiência que ganhei fez-me aceitar o desafio de novo. “Desta vez nem vão dar por mim” – sussurei eu com os meus botões. Resumindo, o replay value é grande porque sentimos que é suposto sermos silenciosos e concisos nos ataques que perpetramos. Essa é a maneira de actuar de um ninja e o jogo dá-nos todas as ferramentas para materializar esse ideal.

Mark of the Ninja é provavelmente o grande jogo 2D de ninjas que faltava lançar até hoje. O espírito de mercenário feudal está presente mais do que nunca, seja com a dinâmica da ocultação ou com a elegância dos ataques silenciosos que a nossa personagem consegue executar. A história, não sendo particularmente relevante, mantém-nos focados na aventura e no próximo alvo a abater. Não esperem facilidades porque apesar da estupidez e cansaço de alguns guardas, escondem-se verdadeiros exterminadores implacáveis que não vos pouparão em momento algum. Para apreciadores do género, o mestre sábio de Ninja das Caldas diria apenas: “Força Toni! Força Toni! Força Toni! Toniiiiii!!!

(Versão analisada: Xbox 360. Proximamente para PC)