Quando a primeira temporada de The Walking Dead foi publicada, a Telltale Games catapultou-se automaticamente para o estrelato. É verdade que o que faziam até então não só era bom como era um dos grandes bastiões de aventuras-gráficas que possuíamos. O facto da editora estar a continuar o trabalho deixado no vácuo pelo fim da LucasArts, e os bons resultados que obtinham com as suas séries episódicas cativavam fãs a cada dia que passava. Mas foi a adaptação a videojogo de uma inspiração na adaptação televisiva inspirada nos comics de The Walking Dead que fizeram toda a diferença. Os problemas morais que muitas das situações do jogo nos colocavam, em que tínhamos de escolher entre o menos mau de duas situações más, com as nossas decisões a pesarem realmente no decorrer de toda a história. The Walking Dead da Telltale Games é um marco nos videojogos e na forma como as histórias são contadas, e fê-lo com uma estrutura sólida, um argumento bem construído e uma eficaz visão de como apelar a novos jogadores para o género.

twd-e3-hug

A seguir tivemos The Wolf Among Us, em que a Telltale aplicou a mesma fórmula de sucesso obtida em The Walking Dead a outra obra dos comics, neste caso a série Fables de Bill Willingham. A receptividade dos media e da comunidade foi igualmente grande, com o jogo a ser aclamada e premiado como uma das melhores aventuras-gráficas a serem lançadas. O que é que seguiu? O exagero típico de algo com sucesso que dá retorno financeiro – a exploração ad nauseam de algo que deveria ficar circunscrito nas margens da qualidade que a editora imprimiu até então.

2434009-1902594450-24305

Tales From The Borderlands, Game of Thrones e agora Minecraft Story Mode. O que demonstra que a bem-intencionada Telltale Games cedeu ao vil facilitismo de se querer tornar a segunda Lego dos videojogos: uma plataforma a soldo para o franchise potencialmente mais promissor. A Telltale Games parece-me estar a perder o coração e a alma que imprimia aos seus jogos, como os Back to the Future ou mesmo os Strong Bad’s. Ou mesmo a paixão intensa de inovação que imprimiu ao galardoado The Walking Dead.

Joguei o primeiro episódio deste Minecraft Story Mode e noto a gigantesca diferença entre uma série episódica e uma que tenta alimentar-se do filão dourado de um dos grandes fenómenos da indústria. E demonstra, metaforicamente, no que infelizmente se está a tornar a editora americana Telltale. Por um lado a tornar-se um one trick pony, a repetir exaustivamente o mesmo truque, levando a que as palmas efusivas sejam lentamente substituídas pelo enfado dos jogadores.

Minecraft

Joguei-o, como disse, e percebi que o jogo a ter alguma piada e valor, é para a base de fãs de Minecraft. Percebi o background e o enquadramento de todo o enredo, mas ao contrário de outros jogos onde a fórmula-Telltale foi aplicada, não consegui sentir qualquer ligação de proximidade com o grupo de amigos (e um porco) que tentam desesperadamente emergir socialmente de uma convenção de builders, a Endercon.

Minecraft SM vive de outro problema simples: a falta de auto-definição de público-alvo. Li alguns congéneres direccionarem-no para um público juvenil, outro para o sub-segmento de fãs do jogo da Mojang, mas independentemente dos destinatários do jogo, a pura realidade é que o seu enredo aborrecido é-o para quem quer que o esteja a receber/experienciar. O build up do enredo é lento e parece martelado, o que por acaso coaduna-se com a falta de ritmo do resto da narrativa. A sucessão de eventos tem elipses pouco racionais e que surgem a bel-prazer do jogo, não do benefício da história.

unnamed

E para finalizar, Minecraft SM vive no instável equilíbrio do fio da navalha entre o humor e a seriedade, e ao falhar esse balanceamento erra também o posicionamento em qualquer um dos cantos. O malabarismo que os argumentistas fazem do ritmo do jogo é um verdadeiro exercício muscular facial, em que o espectador tem de oscilar entre um piedoso sorriso pelas piadas falhadas ou a tentativa de profundidade, proximidade e seriedade para com a dinâmica do grupo de amigos.

A rentabilidade económica é importante, e os videojogos são acima de tudo um negócio. Mas entristece-me que um dos grandes pináculos desta nouvelle vague de aventuras-gráficas esteja a vender a sua alma, a sua essência, ao primeiro comprador. A Telltale necessita de travar a aplicação desenfreada da sua fórmula a outros franchises sob pena de esgotar por completo um dos grandes passos de imersão narrativa dados nos videojogos nos últimos anos. Ou o que se seguirá? Tales of Farmville? Candy Crush Stories? Cut the Rope – a Telltale Cutting Edge Series? Estas são as minhas propostas que fazem muito pouco sentido. Mas fazem tanto sentido quanto a fórmula Telltale aplicada a Minecraft.