Odeio fãs. Fãs arruínam coisas. Coisas bonitas e únicas. Que só deviam existir uma vez e acabou. Foi bom enquanto durou. Memorável, até. Mas não… Têm de pedir mais e mais: porque gostaram muito do primeiro, e porque gostavam de ver o que acontece depois disto e daquilo, e porque têm dinheiro para atirar às editoras… Odeio isso. Odeio-me.

* suspiro *

Danganronpa é uma série que tardou em sair do Japão. O meu primeiro contacto com Danganronpa foi em 2013, ainda antes do lançamento da versão inglesa ser anunciada, quando joguei o original para a PSP patched com uma fan translation de um grupo intitulado Project Zetsubou. Porque o fiz? Porque o Danganronpa original já tinha saído em 2010 no Japão e em 2013, sem qualquer notícia ou indício de um lançamento em inglês, parecia que este era um daqueles jogos de nicho que estavam destinados a não sair de terras nipónicas. Pessoas como eu estavam no desespero, e quando ponderei as minhas possibilidades, que se dividiam entre perder uns anos a aprender japonês ou pegar numa versão em inglês traduzida por fãs e começar a jogar no mesmo dia, não será difícil perceber qual escolhi. Não se preocupem os senhores da NISA e da PJ que podem estar a ler isto: eu comprei o Danganronpa: Trigger Happy Havoc assim que ele saiu na Europa no início 2014 – é uma obra prima que merece o dinheiro que damos por ele. Mais perto do final desse ano foi lançado o Danganronpa 2: Goodbye Despair, quase sem dar tempo para respirar quem ainda estava a recuperar do primeiro e demos o nosso parecer sobre ele aqui no Rubber.

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Reiterando aquilo que disse no final da crítica a Danganronpa 2 há pouco menos de um ano:

PS: O Danganronpa Another Episode saiu recentemente no Japão e ainda não há notícias de um lançamento do jogo no ocidente. Fico de dedos cruzados à espera que isso venha a acontecer (sim, estou a olhar para ti, NISA).

E como dizia no início: “Odeio fãs.” É por causa do seu amor desmedido e incondicional que não podemos ter coisas bonitas.

Danganronpa Another Episode: Ultra Despair Girls é o terceiro título da série a ser lançado em inglês e é um spin-off que decorre cronologicamente algures entre o primeiro e o segundo. Ao contrário dos anteriores, que são visual novels puras com um pouco de exploração, este título é um misto entre uma visual novel, um puzzle game e um tiro-neles na terceira pessoa (adoro a expressão “tiro-neles” e quero trazê-la de volta). Nesta iteração encarnamos o papel da jovem Komaru Naegi – um apelido que não será estranho a quem jogou o primeiro Danganronpa -, uma adolescente normal que se viu prisioneira no último ano dentro de um apartamento em Towa City, desligada do mundo que a rodeia e sem saber quem a está a alimentar e a manter aprisionada. Quando ela é atacada no seu apartamento por robôs Monokuma – o urso branco e preto que é figura sempre presente nesta série – ela é ajudada a escapar pela Future Foundation e é-lhe dada uma arma que permite “hackar” Monokumas. Ao fugir para o exterior Komaru depressa percebe que toda a cidade está a ser atacada por Monokumas, que estão a perseguir e matar todos os adultos, mas deixando as crianças em paz. Após ser capturada pelo grupo de crianças que controlam os Monokumas e se auto-intitulam os Warriors of Hope, são-lhe contados os seus planos de criar uma utopia onde não existem adultos, Após recusar-se juntar-se a eles e fazer parte do massacre, é-lhe forçosamente colocada uma bracelete explosiva e é obrigada a entrar num jogo de gato e rato, onde lhe é dito que a sua bracelete explode se tentar sair de dentro da cidade e que terá de tentar sobreviver aos Monokumas. Enquanto ela está a tentar escapar do exército Monokuma que a persegue, Komaru encontra Toko Fukawa, uma rapariga que tem dupla personalidade (quem jogou o primeiro Danganronpa também vai a reconhecer) – segunda personalidade essa que é nada mais nada menos do que a de um famoso serial killer, Genocide Jack. Toko consegue controlar a sua segunda personalidade durante um tempo limitado graças a uma intensiva terapia de choque com a ajuda de um taser, e que se vai revelar imprescindível para a sobrevivência de ambas. Juntas elas vão tentar escapar da cidade e, se possível, ajudar quem puderem pelo caminho.

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O combate no jogo é dividido entre as duas personagens. Komaru usa a sua hacking gun nos Monokumas e para resolver puzzles, enquanto que Toko usa a sua segunda personalidade durante um curto período de tempo para despachar múltiplos adversários de forma rápida e eficaz. A arma de Komaru tem vários tipos de balas que podem ser usadas em vários tipos de situação: há balas que desactivam os Monokumas, que os põem a dançar, que os projectam para trás, que nos permitem controlar um que tenhamos atingido por algum tempo, etc. Também podemos utilizar a arma para activar ou mover objectos electrónicos. Na arma está a chave para quase todos os puzzles no jogo, muitos deles passam por descobrir uma forma de lidar com múltiplos inimigos com um só tiro, ou em perceber qual é a bala mais adequada para a situação. A segunda personalidade de Toko é tão desequilibrante que parece que estamos a fazer batota: ela corta por inimigos como se fossem manteiga e é perfeita para lidar com largos grupos de Monokumas e poupar balas. Só não consegue ser utilizada em algumas situações como em boss fights, senão perguntar-me-ia porque é que Komaru se dá sequer ao trabalho de apontar e disparar. Por falar em apontar e disparar, a acção na terceira pessoa é lenta ao ponto quase da frustração. Percebo que estamos a tentar controlar uma adolescente normal que nunca tocou numa arma, por isso faz sentido que seja desajeitada, mas ela é tão lenta que chega a ser exasperante – principalmente quando temos de nos reposicionar para disparar de outro local: porque mover, parar, levantar a arma, apontar, disparar são tudo movimentos separados. Muitas vezes a câmara também não ajuda e somos atacados por um Monokuma que não percebemos bem de onde ele veio.

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Integrar a narrativa e contar uma história no meio da acção também não é fácil. A história e os personagens são quase todos interessantes (talvez à excepção da nossa personagem principal, que é a bolacha de água e sal das personagens principais), se bem que narrativa é muitas vezes manchada por momentos de acção desnecessária e a acção mais interessante é muitas vezes manchada por momentos de diálogo extensivo – às vezes parece que temos momentos de acção “só porque sim” – mas é precisamente o avançar da história que nos faz querer prosseguir em frente. Se não fosse pela história, o seu ambiente e os puzzles, o jogo não seria mais do que um tiro-neles medíocre com visuais e música bons. Visualmente, o jogo conseguiu bem capturar e adaptar o estilo dos personagens 2D ao 3D, só acho estranho os modelos 3D in-game terem melhor aspecto que os modelos 3D das sequências FMV (chegam mesmo a parecer estranhos, o que me deixa a pensar se as sequências em FMV e os modelos in-game não terão sido feitos por equipas diferentes – se tivessem utilizado os modelos 3D in-game as FMV ficariam melhor). A música em si consiste em boa parte num remix de temas dos jogos anteriores e alguns temas novos. Nada a apontar neste campo – a música captura bem o ambiente e tem temas bastante catchy, capazes de nos dar comichão cerebral por uns bons dias.

A esperança: manteve o estilo audiovisual dos títulos anteriores e a sua integração no 3D foi bem conseguida; conta uma história interessante num ambiente pungente; a utilização das diferentes funcionalidades da hacking gun são bem aproveitadas e dão origem aos puzzles mais divertidos;

O desespero: o tiro-neles na terceira pessoa não é divertido; pobre gestão do balanço e mudanças entre acção e narrativa; personagem principal é pouco interessante; apesar de um decente voice-acting em inglês, muitos fãs vão sentir falta de uma opção para ter as vozes originais em japonês

Danganronpa Another Episode: Ultra Despair Girls é um título para fãs. Digo-o porque ele seria aquele título que eu recomendaria em último lugar para qualquer pessoa que me dissesse que estava interessada em experimentar a série. O primeiro continua a ser o melhor, seguido de perto pelo segundo. E embora este seja um spin-off mais direccionado para os fãs da série, alguns podem ficar menos agradados pelo facto de se ter afastado do purismo de jogar uma visual novel, das discussões com argumentos abatidos por balas metafóricas e pela exclusão das vozes originais em japonês. É um jogo que deixa com um sentimento misto – ficamos felizes por estar de volta, mas ao mesmo tempo não é bem aquilo que estávamos à espera. É um título que quero recomendar aos fãs da série, mas com algumas reticências. Para quem não conhece a série, não recomendo – a não ser que tenham uma mente bastante aberta e não se importem de jogar um dos tiro-neles na terceira pessoa mais clunky dos últimos tempos – e que daí, mesmo com todos os seus defeitos, continua a ser melhor do que qualquer Call of Duty.

Danganronpa Another Episode: Ultra Despair Girls é um exclusivo PS Vita.