Às vezes penso que em alguns aspectos eu estava mesmo fadado a um destino definido desde a infância. Seja pelos traços de personalidade moldados pelo Transtorno Obsessivo-Compulsivo, seja pela vertente casual do coleccionismo que existia em minha casa (quiçá também ele latente por uma desconfiança de TOC não diagnosticado ao meu avô), mas era quase garantido que um dia levaria o acto de colecionar bastante a sério.
Da minha parte começou de forma simples: entre revistas de BD da Abril, alimentada por idas religiosas à Feira da Ladra e do Relógio, e a quiosques que compravam livros ao quilo, e as cadernetas de cromos, cujas colecções eram terminadas com esforço das minhas tias que procuravam trocar repetidos ou ceder e ter uma ida aos Restauradores para as finalizar.
Da parte do meu avô passou por uma colecção muito casual de filatelia e numismática. Nada demasiado sério, mas um hobby que me permitiu acompanhá-lo a algumas feiras de coleccionadores de ambos. Uma delas acontecia com alguma regularidade no pós-Expo 98, debaixo da pala do Pavilhão de Portugal, e apesar do meu avô não ter o dinheiro disponível para fazer uma colecção “a sério”, sempre deu para ir conhecendo os meandros dos coleccionadores de selos e moedas.
Ver a Stonemaier Games a chegar ao mercado com um jogo dedicado a filatelistas, e que conceptualmente se passa num evento de filatelia de 3 dias, foi algo que me fez imediatamente ficar com um sorriso nos lábios, de me lembrar de outros tempos, em que via o meu avô a secar selos que retirou de envelopes, e que esperava adicionar à sua modesta colecção.
Sem pouco ou nada saber do jogo para além de uma ou duas fotografias e do conceito subjacente, pensei de imediato se Stamp Swap, desenvolvido por Paul Solomon, conseguiria destronar – pelas similaridades aparentes – aquele que é o meu grande candidato a jogo do ano: Art Society. E como veremos, não o fez.
Com um tema que não é certamente para todos os gostos, o mui específico mundo da filatelia, Stamp Swap combina mecânicas como tile placement, drafting e a dinâmica de I Cut, You Choose, numa mistura de elementos que procura ser melhor que a soma das partes.
Stamp Swap é um jogo relativamente curto, jogado em apenas três rondas, tornando-o numa proposta acessível em termos temporais, até para sessões de jogo curtas. Como todos os jogos oriundos da “casa” de Jamey Stagmaier, Stamp Swap permite ser usufruído a solo utilizando o modo Automa, ou em formato competitivo para até 5 jogadores..
Como disse, Stamp Swamp passa-se num evento de filatelistas, e cada ronda equivale a cada um dos dias do evento (Sexta-feira, Sábado e Domingo), sendo que cada dia está igualmente dividido em 3 fases diferentes, à excepção de Domingo que tem uma fase adicional e derradeira.
Cada um de nós está assim a construir a colecção de selos mais valiosa de todo o certame. Cada fase apresenta decisões importantes, especialmente quando envolve uma mecânica do qual eu não sou especial apreciador, a de I Cut, You Choose. Neste sistema, cada um de nós divide em duas pilhas os selos recolhidos na primeira fase, a de Collect, e podemos apenas reservar um selo para nós, desde que ele não seja raro (um subtipo de selos dourados que não têm tema, nem cor). Visto que os selos são recolhidos, um a um, por cada jogador, na primeira fase, descobertos ou virados para baixo sem que ninguém sem ser o quem o recebeu saiba o que é, a tensão é mesmo a de tentar levar a que os nossos adversários tentem recolher a pilha que “menos” queremos. Depois de alguém recolher uma das nossas duas pilhas, ficamos com a que ficou, e é a nossa vez de escolher uma pilha de outro jogador, repetindo assim até que todos estejam prontos para a fase de “show”, onde se calculam os pontos e se termina a ronda/dia.
Uma camada interessante do jogo é a existência de cartas de visitantes, espalhadas entre expositores (que, quando colocados no nosso álbum pessoal, permitem bonificações aos nossos selos), e especialistas, que nos dão habilidades únicas. Somemos a isso as cartas de evento, reveladas no início de cada dia/ronda, e que mudam o tipo de item disponível para drafting (entre selos, selos eternos (selos de uma quadrícula especiais) e cartas de visitante), para além de um efeito diferente a acontecer ao longo desse dia. Há muitas variáveis em jogo, mas não sei se é da relativa superficialidade do jogo, se é de, apesar dos componentes serem interessantes, não terem aquele factor de surpresa que os jogos da Stonemeier têm, mas há algo em Stamp Swap que eu sinto que o vai fazer ser preterido na maior parte das casas por outros títulos.
Além da mecânica de I Cut, You Choose do qual já falámos, e do drafting inicial da primeira fase, Stamp Swap incorpora o tile placement como elemento-chave, mas sinto que com menos “impacto” progressivo e definitivo do que, por exemplo, Art Society. É verdade que temos de tirar proveito e posicionar os nossos selos no nosso tabuleiro pessoal, tentando combinar cores, temáticas e raridades, de modo a maximizar os pontos de vitória, mas sinto-o mais faseado nas rondas do que algo que nos acompanha ao longo de todo o jogo. O posicionamento de cada selo no nosso “álbum” impacta diretamente no resultado final, já que existe uma avaliação específica numa quarta fase do dia de Domingo, encerrando o jogo.
Talvez seja da sua temática única focada na filatelia, e a incapacidade desta junção de mecânicas de a tornar mais apetecível a um público mais alargado, e algo raro que senti num jogo da editora (alguns aspectos mecânicos estavam pouco claros no manual), mas Stamp Swap dificilmente virá para a nossa mesa quando nos apetecer um jogo do género. Falha em ter um tema tão acessível como Art Society, e falha sobretudo pela falta de relevância profunda do posicionamento dos selos no nosso álbum, algo que o jogo de Mitch Wallace faz de forma brilhante. Esta falta de agência e de impacto da componente de tile placement torna-se ainda mais evidente dada a natureza mais curta deste jogo: tirando a primeira partida que requereu conhecer as regras, as seguintes foram jogadas a 2 com pouco mais de 20 minutos.
Para fãs de filatelia, este jogo é obrigatório, até porque se bem percebo, é um jogo inédito com esta temática. Paul Solomon arriscou ao juntar duas mecânicas populares num só jogo, e apesar de não ter falhado per se, acabou por não criar um jogo entusiasmante o suficiente que o queiramos revisitar. E isso dado o estado actual de saturação do mercado, é algo difícil de ultrapassar.