
O velho adágio de não julgar um livro pela sua capa é – acredito – uma máxima que muitos fãs de jogos de tabuleiro não seguem. Vendo pelo menos o meu caso, de tantos jogos que comprei apenas porque fiquei embevecido com a sua caixa, sendo que em algumas dessas ocasiões a minha desilusão com o conteúdo esbarrou de frente com a sedução do design da sua caixa.
Há jogos cujas caixas nos chamam como sereias em alto mar, segundo os poemas épicos. Um deles era Tokaido, com a sua caixa branca entrecortada por uma bonita ilustração de um cenário do Japão antigo rural.

Lançado em 2012, Tokaido é um jogo de tabuleiro que foi criado por Antoine Bauza, e ao primeiro contacto apela-nos para uma experiência diferente com a sua estética serena: a imersão em mecânicas acessíveis e uma abordagem única ao espírito competitivo: em vez de batalhas ou conquistas, Tokaido convida-nos a fazer uma viagem tranquila pela antiga estrada costeira que ligava Quioto a Edo (actual Tóquio), no Japão feudal.
Em Tokaido somos viajantes que percorrem a histórica Estrada do Mar Oriental em busca da experiência turística mais rica e memorável possível. Ao longo do caminho, podemos parar em estalagens, visitar fontes termais, contemplar paisagens, comprar lembranças, encontrar viajantes e saborear refeições tradicionais, sorvendo esta viagem cultural em todos os seus aspectos possíveis.
O objectivo de Tokaido não é ser o mais rápido, mas sim o mais completo: quem viver a experiência mais enriquecedora vence: trata-se de um jogo sobre a beleza da jornada, mais do que sobre o destino, e vendo os dias acelerados em que vivemos, esta mensagem é mais do que actual.

Tokaido é, na sua essência, um jogo de movimento e colecção de pontos. O tabuleiro representa a estrada com diversas paragens: cada uma com um propósito distinto, e há sempre algo a fazer, mesmo se formos pobres. Em cada turno, avançamos livremente até à próxima casa disponível, e o próximo turno é de quem estiver mais atrás na estrada, permitindo-nos ter diversos turnos seguidos, se os nossos oponentes tiverem avançado demasiado. Esta possibilidade de escolher a nossa casa de destino cria um sistema estratégico onde devemos pesar se vale a pena avançar muito para garantir uma paragem valiosa ou ficar para trás e aproveitar um maior número de oportunidades.
Existem cinco categorias principais de acções: os Panoramas, paragens que nos permitem coleccionar peças de uma pintura japonesa; as Termas, onde relaxamos e ganhamos pontos; os Templos, onde doamos moedas em troca de pontos, onde somos recompensads no final do jogo pelo nosso altruísmo; a Loja de Lembranças, onde compramos objectos para formar conjuntos, quanto mais variado, mais valiosos, e por fim, os Encontros, onde conhecemos personagens especiais que nos dão bónus únicos e imediatos.
A estrada está dividida com três paragens obrigatórias em estalagens, onde todos temos de parar e, se possível, comprar uma refeição típica, que se converte igualmente em pontos.

A depuração visual de Tokaido é um dos seus aspectos mais cativantes, e a arte, da autoria de Naïade, é minimalista e elegante, inspirando-se na estética tradicional japonesa, sendo que cada carta, cada panorama, cada elemento do jogo transmite-nos uma sensação de calma e contemplação.
Tinha receio que Tokaido fosse mais um dos exemplos de jogos cujas caixas (e arte) são verdadeiramente deslumbrantes, mas cujas mecânicas e loop de jogabilidade fossem uma desilusão, mas muito pelo contrário. Facilmente o coloco nos dias de hoje como um dos grande gateways da minha ludoteca, já que considero extremamente acessível, com regras simples e intuitivas, que o tornam ideal para introduzir amigos aos jogos de tabuleiro, ou mesmo para jogar com os mais novos.

No entanto, como em todos os bons gateway games, há profundidade suficiente para agradar a jogadores mais experientes que apreciam momentos estratégicos mais complexos, mas ainda assim, Tokaido é um jogo mais contemplativo, e onde as habilidades individuais de cada um dos viajantes muda a nossa abordagem táctica.
Tokaido é uma celebração da viagem, da cultura japonesa e da beleza nas pequenas coisas, numa experiência lúdica relaxante e zen como penso que nunca experimentei igual. A sua mensagem que tão bem encaixa nas suas mecânicas é um alerta aos dias de hoje, onde tudo é fugaz e efémero, onde o nosso prazer das coisas é praticamente inexistente.

Nota: a versão actual, publicada há semanas pela Stonemaier Games, tem um erro de impressão na estrada pontilhada no tabuleiro, que se encontra descentrada, mas que não afecta em nada a jogabilidade.













