Entre arcas moribundas, cebolas melancólicas e labirintos góticos que parecem ter sido montados à luz trémula de uma vela, estes três projectos partilham uma inquietação comum: a sensação de que a exploração é sempre um acto de escuta. Escuta do espaço, das texturas, dos silêncios e dos segredos que se escondem nos recantos menos óbvios. Cada um deles torce o género à sua maneira, ora apostando na contemplação, ora na decadência húmida, ora na violência meticulosa. Mas todos convergem numa ideia simples: o mapa não é só território, é memória, corpo e ameaça. São mundos que vivem e respiram à nossa frente, exigindo que sejamos mais do que jogadores; que sejamos testemunhas.

MIO: Memories in Orbit

Douze Dixièmes – França 

2025 – Nintendo, PC, PlayStation, Xbox

metroidvanias que se contentam em copiar o mesmo mapa de sempre. MIO: Memories in Orbit prefere rasgar essa planta e construir uma arca espacial em permanente decomposição; um corpo metálico tomado pela vegetação, robôs feridos e memórias quebradas. A premissa é clássica na superfície — um pequeno autómato desperta sem saber quem é — mas o contexto dá-lhe peso: a Vessel, outrora um prodígio tecnológico, agora flutua à deriva, esquecida, a minutos de um colapso inevitável. As Pearls, inteligências artificiais que deveriam manter tudo vivo, estão silenciosas. MIO, ágil como um insecto eléctrico, desce às entranhas do navio para reanimar memórias, descobrir o que correu mal e perceber porque é que existe.

A ambição está no olhar e no ritmo. MIO: Memories in Orbit aposta numa estética híbrida entre banda desenhada, pintura e anime, com ecossistemas próprios, arquitectura orgânica e mais detalhes do que um cenário de Moebius deixado ao sol. A banda sonora mistura lo-fi e coros etéreos, criando um pulso meditativo que contrasta com o combate nervoso: mais de trinta inimigos, quinze guardiões, e um arsenal de habilidades que transforma o movimento em dança; gancho, planar, escalada às aranhas, clones ilusórios. As decisões do jogador moldam MIO, desde o tipo de gancho até sacrifícios mecânicos que trocam defesa por brutalidade. É esse controlo, essa constante afinação de fluxo, que faz da Vessel um organismo vivo. E a pergunta é simples, mas ecoa: seremos capazes de salvar esta arca moribunda… ou apenas de acordar os seus fantasmas?

Layers Deep

Tall Order Games – Estados Unidos da América 

Data de lançamento não definida – PC 

Se os metroidvanias modernos competem para ver qual tem o mapa mais intrincado, Layers Deep responde com uma piscadela sulista e um toque de decadência gótica. Aqui somos uma pequena cebola recém-germinada no fim do Outono, perdida num mundo que parece ruir à nossa volta. O ambiente é denso, húmido, carregado daquela melancolia do Sul americano que mistura religião, superstição e ferrugem. À medida que exploramos esta estrutura aberta, encontramos melhorias que ampliam tanto o combate como a mobilidade — cada upgrade é mais uma camada arrancada ou acrescentada, um passo na lenta ascensão rumo à superfície… se é que alguém lá fora ainda espera por nós.

Criado pelo animador Josh Chambers e pelo engenheiro Eric Kalpin, o jogo nasceu de um protótipo concebido num momento de pausa forçada — quase como um retiro numa cabana perdida no mato, onde o silêncio pesa mais do que os pensamentos. Essa origem sente-se no resultado final: Layers Deep não quer apenas ser mais um mapa labiríntico cheio de perigos; quer criar a sensação de que algo, ou alguém, observa cada movimento nosso. Entre criaturas estranhas, personagens meio partidos e uma atmosfera que cola à pele, este é daqueles mundos em que a exploração não é só geográfica — é emocional, sombria e inevitavelmente incómoda.

Tearscape

NERDS TAKE OVER 

2 de Fevereiro de 2026 – PC 

Há jogos que piscam o olho ao passado, e depois há Tearscape, que o agarra pelos colarinhos e o obriga a confrontar-se com os seus próprios monstros. É uma aventura de acção vista de cima, gótica, impiedosa, com pixel art que parece saída de uma Game Boy Color ou de uma Nintendo Entertainment System que passou demasiadas noites em claro. Aqui, cada golpe tem peso, cada esquiva custa energia e cada frasco de cura é um luxo raro — o tipo de design que não se desculpa, não abranda e não pede licença. Explorar Tearscape é caminhar por um mundo fragmentado, cheio de atalhos escondidos, grutas que cheiram a mofo e segredos plantados à mão por alguém que claramente se diverte a testar a paciência alheia.

Mas a crueldade tem método. Entre masmorras labirínticas, armas improváveis e ferramentas que alteram tanto o combate como as possibilidades de exploração, Tearscape vai-se revelando como uma daquelas experiências que recompensam a obsessão. Os bosses — criaturas saídas de experiências falhadas e pesadelos que nos cobre de suores frios — exigem precisão, frieza e uma leitura afinada das mecânicas. As personagens que encontramos pelo caminho, umas solícitas, outras dúbias, oferecem pedaços de narrativa que nunca se fecham completamente, mantendo-nos nesse limbo tão raro: o de querer avançar para sobreviver, mas também parar para perceber quem, afinal, está a mexer os fios neste  mundo podre e fascinante.