Seguir os jogos independentes em desenvolvimento é como atravessar uma fenda luminosa onde a ambição desafia a lógica e cada píxel parece carregado de intenção: mundos desenhados com rigor quase académico, outros mergulhados em violência retro destilada, outros ainda empurrados para o interior de mentes fracturadas onde a gravidade perde relevância. Não procuro apenas protótipos promissores, mas laboratórios vivos onde a escala é uma teimosia, a atmosfera uma arma e a fragilidade uma forma de verdade. Estas obras ainda inacabadas já respiram com identidade própria, lembrando-nos que, nas margens da indústria, há sempre espaço para o espanto — e para criadores suficientemente obstinados para o transformar em jogo.

Little Mage

Violoken – Reino Unido

Data de lançamento não definida – PC

Há obras metroidvania que prometem mundos vastos. Little Mage responde com um mapa tão ambicioso que quase pede uma planta arquitectónica. Não é por acaso: o estúdio britânico Violoken é, na verdade, um projecto a solo de um arquitecto e director artístico que decidiu aplicar a precisão do ofício ao labirinto digital. O resultado é um universo de high fantasy que promete ter mais de cem horas de plataformas, combates exigentes e bosses que parecem saídos de um caderno de esboços barroco. A isto junta-se um mini-jogo de cartas, uma progressão densa e um cuidado quase académico — literalmente, já que o criador desenvolve um doutoramento sobre estética arquitectónica em videojogos em paralelo com o projecto.

Mas a ambição de Little Mage não se fica pela escala. A narrativa abraça e torce os velhos clichés da fantasia, pondo-nos na pele de um herói carregado de ambição para chegar ao seu destino mas sem garantias de o poder cumprir. Há línguas próprias, bestiários completos, histórias enterradas e uma galeria de aliados que parecem ter vida para lá dos diálogos. Tudo indica que este é aquele raro caso em que a obsessão de um só criador pode resultar num mundo que respira de forma orgânica — não porque imita os clássicos, mas porque os compreende bem o suficiente para os reconstruir com a precisão de um mestre-de-obras.

Haunted Lands

alevgor

2026 – PC

Muitos jogos, para apelar à nostalgia, que tentam recriar o passado. Haunted Lands prefere arrancar-lhe os dentes e usá-los como munição. Este Action platformer retro não perde tempo com cerimónias: atira-nos para criptas saturadas de sangue, espectros e criaturas que parecem ter fugido de um bloco de notas de 1994. A escolha entre cinco personagens não é cosmética — cada uma muda o ritmo, a distância e até o estado de espírito com que enfrentamos a noite. Uns destroem monstros à queima-roupa, outros confiam na distância como quem sabe que qualquer toque no local certo dói mais do que devia.

O jogo brilha quando transforma a brutalidade em exploração: artefactos que reescrevem habilidades de forma quase herética, segredos enfiados em recantos criminosamente bem escondidos, e bosses que nos lembram que “retro” nunca foi sinónimo de dócil. Haunted Lands exige precisão, paciência e uma certa tendência masoquista — o tipo de experiência que recompensa quem insiste, quem volta, quem raspa no fundo do inferno só para descobrir mais um atalho, mais uma arma, mais um truque sujo. É um mergulho num passado que nunca existiu, mas que aqui se sente perigosamente real.

LOVE ETERNAL

brlka – Estados Unidos da América

1º trimestre de 2026 – Nintendo, PC, PlayStation, Xbox

Os jogadores têm boas razões para prestar atenção a LOVE ETERNAL, um precision platformer que leva o género ao extremo ao colocar-nos literalmente dentro da mente de um deus egoísta. Na pele de Maya, uma criança arrancada à família pelo capricho de uma divindade solitária, atravessamos mais de uma centena de ecrãs repletos de picos, lasers, alavancas e armadilhas, enquanto manipulamos a própria gravidade para sobreviver. O jogo exige precisão, ritmo e sangue-frio, mas promete recompensar com aquela sensação rara de domínio absoluto dos controlos — tudo afinado para que cada salto, queda ou inversão de gravidade seja um acto consciente de destreza. A promessa aqui não é apenas dificuldade; é uma viagem psicológica onde cada obstáculo parece uma peça de um enigma maior.

A atmosfera ajuda a cimentar essa tensão. O pixel art desenhado à mão dá vida ao “Abrigo” do deus, com animações meticulosas e milhares de frames a reforçar o desconforto constante do cenário. A banda sonora, densa e inquieta, amplifica essa beleza perturbadora enquanto a narrativa se torce para revelar escolhas difíceis de compreender. LOVE ETERNAL não é apenas um teste aos reflexos — é um mergulho num espaço mental claustrofóbico onde memória, culpa e poder se misturam. A questão que o jogo coloca é simples mas devastadora: conseguirão encontrar o caminho de volta a casa, ou ficarão presos para sempre nos corredores deste deus?