Disneyworld na palma da mão

O primeiro contacto com Disney Magical World foi perfeitamente inócuo como beber água da torneira (tipo as músicas do André Sardet). Quando o vi pela primeira vez na Gamescom pareceu-me mais um Animal Crossing, ou um Fantasy Life de segunda categoria (sendo que era o jogo da Level 5 o verdadeiro life simulation que eu ansiava na 3DS). O segundo contacto foi já com a versão de análise. A pouca vontade aliada à pouca curiosidade que o jogo me suscitava impeliu-me a empurrá-lo para o fundo da lista de análises, quando muitos outros títulos se perfilavam mais entusiasmantes para rever, ficando este jogo da Bandai Namco (literalmente) empurrado para o final de 2014.

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Ah estas Galas de Finalistas patrocinadas pela M80!

 

Antes de começar a descrever a agradável surpresa que, contra todas as expectativas, este Disney Magical World se tornou, vou já referir o único ponto negativo que encontro no jogo, e tiramos já este peso do meu peito. As figuras da Disney são indubitavelmente das mais fortes da imagética pop, e por essas razões é que a legislação universal de propriedade intelectual tem sido constantemente reajustada de forma a proteger as criações do colosso norte-americano. O Mickey, a Minie, o Donald e afins são personagens intemporais e que surgem perfeitamente ajustados a quase todos os mundos (não é a série Kingdom Hearts a prova disso?). Em Disney Magical World  isso não é excepção. A excepção é o nosso personagem e todos os restantes NPCs extra-Disney: este mundo é habitado por Miis. Não tendo nada contra os avatares da Nintendo, a realidade é que o resultado retira um pouco de coesão a um mundo multidimensional de diversas franquias da Disney e cujos NPCs, deveriam, à semelhança do que foi feito de forma brilhante em Fantasy Life, ser criados com uma linha estética muito forte que coabitasse com o visual típico da Disney. Não que os Miis destoem de todo com o mundo, mas a meu ver ter-se-ia ganho muito mais com uma definição artística comum a todo o mundo do que a utilização dos modelos da Nintendo.

Disney Magical World  é um excelente gateway game para qualquer criança ou para jogadores mais casuais. A sua simplicidade (inspirada notoriamente em Animal Crossing) fá-lo acessível a qualquer jogador, trazendo um elemento agregador acessório: o portefólio Disney, que é possivelmente o mais universalmente consensual que existe e que consegue agradar a diversas gerações. O jogo torna-se imediatamente acessível a qualquer um assim que andamos um pouco pelo mapa de Castleton e somos cumprimentados pelo Pateta ou pelo Tio Patinhas, e percebemos num instante que estamos, de alguma forma, em casa. A aparente superficialidade e pseudo-infantilidade que senti nos primeiros minutos foram cedo desfeitos pela noção de abertura deste mundo. É que apesar de o considerar um excelente jogo de entrada para qualquer criança ou casual, sinto que existe muito conteúdo para jogadores mais “experientes”*.

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Olá. Andámos a fumar pó-de-tijolo. Estamos felizes.

 

Há um café para gerir, uma casa para decorar, lagos para pescar, um campo para arar, bailes para dançar e muitos episódios/dungeons para explorar. E ao contrário do que muitos dos life simulators nos atribuem, numa postura quase ditatorial de termos de descobrir algo a horas fixas, não existem personagens encriptados, com segredos rebuscados, ou missões quase tão-secretas que só os encontramos se formos uma espécie de Carrie Matheson da série Homeland. Tudo é feito ao nosso ritmo, sem pressas, e com muitos autocolantes para encontrar. O progresso e os títulos em Disney Magical World são medidos através da obtenção de autocolantes, que servem para ir desbloqueando conteúdo: sejam triggers para o avançar dos diversos episódios, ou o acesso a novas receitas e ou funcionalidades. E segundo o próprio jogo nos indica após o Prólogo, é mesmo para tentarmos alcançar os objectivos que nos apetecer, quando nos apetecer, e se nos apetecer, num estilo perfeitamente anárquico e fuck the system que tanto nos agrada. Se me apetece apenas andar a pescar os diversos lagos (toda a gente sabe que tenho um fraquinho por pesca virtual) então que o seja: não perco conteúdo por essa decisão.

Como life simulator com imensas receitas e quests (aqui chamadas de favores) temos algum grind inerente. Para fazermos aquela mesa de cristal tão bonita inspirado na decoração da Cinderella precisamos de uma série de itens que não são vendáveis pelo Tio Patinhas. Para isso temos de ir “grindar” as dungeons episódicas que aqui existem. É que para além de ser um descontraído life simulator, o jogo conseguiu incorporar os mundos da Cinderella, Aladdin, Winnie, the Pooh e Alice in Wonderland num sistema de dungeon crawling. É claro que, para o tipo de jogo e para o pressuposto público-alvo esta exploração de dungeons é simples, em que nos limitamos a disparar com a nossa varinha mágica e a desviar-nos dos ataques dos fantasmas, o que não significa que esta abordagem não seja descomprometidamente divertida. E apesar de as recompensas serem aleatórias  nós temos a informação prévia de que episódio tem probabilidade de nos dar que tipo de loot.

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Estás muito in. Isso é Michael Kors?

 

Disney Magical World tem diversos níveis de complexidade. É claro que num jogo destes que não tem fim “aparente”, o meu objectivo pessoal após as duas dezenas de horas de jogo e de algumas dezenas de autocolantes alcançados é mesmo completar as diversas cadernetas. Sejam os próprios autocolantes (os títulos), os cromos (dos personagens da Disney, que desbloqueamos um novo a cada doze horas de jogo) e as fotografias do nosso Mii com esses mesmos personagens, como se fizéssemos parte da grande caderneta universal que são as criações de Walt Disney e Cia.

Enquanto escrevo a análise lembro-me que tenho uns itens para procurar para fazer umas roupas de temática havaiana para agradar ao Stitch. E lembro-me também que me apetece ir jogar este jogo que eu tão rapidamente julguei como aborrecido mas que passando a barreira inicial do tutorial (esquecendo-me eu que perante o público-alvo há a necessidade de criar um ritmo tão lento de introdução ao jogo) eu estou a jogá-lo como qualquer outro jogador fará com Dark Souls ou Monster Hunter. Sim, estou a exagerar, mas nesta Quadra sinto-me mais em casa a procurar Ancient Stones para criar uma mesa de inspiração árabe para transformar o meu café numa homenagem ao Aladdin. Isto deve ser a criança em mim a falar. E a realidade é que ela se está a divertir imenso.

O melhor: o mundo Disney, a diversidade de conteúdo, a descontração, a diversão.

O pior: a falta de coesão entre os Miis e o mundo Disney.

Detesto estar errado mas adoro provar-me a mim mesmo quando erro. Disney Magical World é um desses casos de total desprezo inicial, e de antevisão de um sacrifício gigantesco na sua análise, mas que se comprovou como um gigantesco vício, uma diversão avassaladora, e uma vontade de pertencer a este mundo e de o visitar como não sentia há um tempo. A 3DS já conta com alguns títulos de peso no género, seja o actual benchmark criado por Animal Crossing: New Leaf, passando por Rune Factory e Fantasy Life. E sendo um fã de todos os jogos anteriores, fico feliz de ter encontrado um jogo mais simples mas suficientemente cativante para manter um bom conteúdo para diversos tipos de jogadores. E agora que o Natal já passou, considero este um dos melhores presentes para uma criança ou para qualquer fã da Disney que possua uma 3DS. E já que deixei aqui a recomendação, publico a análise e vou ali jogar mais um bocadinho. Tenho umas cenouras para colher.

Disney Magical World é um exclusivo 3DS.

* prefiro o termo ao usual hardcore, e utilizo-o em tradução livre aproximada da expressão anglófona seasoned, que me parece mais adequada.